Wednesday, December 27, 2006



To R about x-mas
David Bowie - Hang on to Yourself
Para finalizar a quadra natalicia,
Eu odeio o natal. Sempre odiei, por razões que não vou perder tempo a explicar, mas odeio o natal. Certamente, até ter filhos, nunca gostarei do natal e nessa altura, até poderei gostar do natal, mas como terei filhos, não gostarei da minha vida em geral e será suficiente saber que eles gostam do natal. Bom, não interessa, para mim o natal é aquele grande barrete (por sinal vermelho com um pom-pom branco) que me enfiam todos os anos. Nem o entendo na verdade, acho o natal das coisas mais bizarras do mundo, um pederasta veste-se com um fato vermelho, de forma a ser facilmente identificável, e crianças sentam-se no colo dele, consoante ele se vai excitando, as crianças chantageiam mais prendas (ok, até aí tudo bem, mostra uma sábia venda do seu corpo), mas depois nunca chegam a levar as prendas e são engrupidas com a história de que ele vai de rena levar a prenda descendo pela chaminé.

Bom, porque tudo o que é mau tem um lado bom, porque aqueles que perdem, ganham de outro lado, e porque muitas vezes os que ganham não são os mesmos que perdem (sendo que em casos raríssimos é possivel constantemente ganhar mais do que perder, chama-se ser politico), do facto de eu odiar o natal, tu ganhas. Esse é o lado bom de eu detestar o natal, e ganhas porquê?

Aposto que estás algo curiosa. Sempre foste curiosa
91 918 40 XX

banda sonora: Clap your hands say yeah! – The Skin of my yellow country teeth

Ok, sim, o titulo deste post é um número de telefone. Sim, está incompleto. Sinto-me desconfortável em publicar um número de telefone assim na net sem mais nem menos, por isso, deixo-vos 99 hipóteses. Eu sei que ninguém vai mexer o dedo para descobrir, por isso não me importo muito.

Este estado fantasmagórico em que caminho (declarei-me, a partir de agora, como um fantasma pelo menos até ao fim do verão, dá-me imenso espaço para reflectir sobre as pessoas que me rodeiam, o ter abandonado a existência física permite-me observá-las, o pensarem que eu estou normal de carne e osso, deixa-as à vontade. Não, isto não é erva, sou mesmo eu a escrever sem rédeas (N. do T. fantasmas não sentem rédias, não têm realmente nada a perder).

De quem é o número? De uma mulher claro, uma rapariga a última vez que a vi, hoje será uma mulher já. Porque é que eu conheço o número? Decorei-o quando ele significava muito para mim, hoje tem um valor inteiramente diferente. Ainda funciona, btw, mas ela nunca me atende. Às vezes manda-me mensagens, quem me dera que não o fizesse, outras vezes, um e-mail, quem me dera que não o fizesse, não que me prenda a algo, sigo a minha vida feliz, mas porque se eu ligar, não me atende, se se sentir bem, não escreve, não faço a mínima ideia de que papel tenho na sua vida.

Há quem tenha amigos imaginários, o meu, Fernando Bolivar, é quase palpável, mas o nosso amigo imaginário partilha imenso connosco. Esta, existe mesmo, mas não partilha nada comigo. Parece, quando falo dela comigo mesmo, que estou a preparar uma adivinha, mas não é, a verdade é que não sei muito mais do que isto, ando voltas e persigo a minha cauda, por isso mais vale não dar voltas à cabeça, é um número. Sei que não posso contar com ele, pois quando me sinto deprimido e triste, (das quais 99% se passaram no último ano da minha vida), não adianta ligar. Contudo, se ela me mandar uma mensagem, eu respondo.

Recuso-me a perseguir, claro que era facilimo encontrá-la, mas não mexo um dedo por isso, é mais que óbvio que ela não quer ser encontrada, pelas atitudes evasivas, pelo tratamento de “outro” que ela me dá. Porque é que ainda existe na minha vida? Porque dá-me culpa.

Quando namorava com a Bárbara, ela gostava de mim. Eu nunca deixei a Bárbara por ela, ainda hoje não me arrependo disso, apesar de tudo o que depois se passou com a Bárbara, não me arrependo porque na altura era feliz com a Bárbara e só mesmo sendo muito feliz com a Bárbara lhe podia resistir. Eu era muito feliz com a Bárbara.

Acho que nunca fui outra vez tão feliz, quando penso nisso, vinte anos, primeiros anos da faculdade de direito, um velho BMW da minha idade que consumia a minha mesada em gasolina, tenho uma óptima recordação. Não me arrependo nada disso. Só tenho pena que a minha felicidade tenha magoado a rapariga do 91 918 40 XX.

Este natal, estive com o Ricardo. O Ricardo (mais um nome eu sei), tanto conhece a rapariga do 91 918 40 XX como a Bárbara. Não sabe o que é feito nem de uma nem de outra, e ficou espantado quando viu que recebi uma mensagem da Bárbara. Presumo que seja normal, o Ricardo é meu amigo e deve ter estranhado eu falar com alguém que me fez o que ela me fez.
Deixou-me a pensar, a atitude do Ricardo, acho que de facto uma pessoa normal nunca teria perdoado a Bárbara como eu perdoei, ou se calhar, como nos perdoámos. Não que eu necessitasse de perdão, mas o perdão é algo que vai nos dois sentidos. Porquê? Não sei, é algo que sinto.

Sinto igualmente, na Bárbara, uma excelente amiga, uma excelente amiga que ganhei porque soube perdoar e estar com ela sentindo-me feliz pela sua companhia. Partilhámos muito naqueles anos. Depois de nos termos separado, durante imenso tempo nem conseguia conduzir na Miguel Bombarda, dava a volta pela Duque de Ávila, hoje passo facilmente na Miguel Bombarda, sinto também (quem lê isto até pensa que eu não sou o filho da puta armado em racional que tantas vezes sou, tomando em consideração o número de vezes que conjuguei a verbo “sentir”), como dizia, sinto também que se não fossemos amigos, não conseguiria recordar com felicidade os anos que passámos juntos.
Saber perdoar, trouxe-me duas coisas, uma amiga no presente e uma recordação bonita no passado. Porque é que perdoei? Não sabia se ia ganhar algo ou perder algo quando perdoasse, mas arrisquei, sentia que a vida é mesmo muito curta para existir ódio ou rancor.

Em suma, Bárbara, és uma pessoa muito especial. Rapariga do 91 918 40 XX, já era altura de deixares de ser tão otária comigo.

Disclaimer: Na realização do presente Blog nenhum animal foi ferido ou morto. Faz-se igualmente salientar que as pessoas aqui referidas existem mesmo e, se as encontrarem na rua, não se esqueçam de lhes dizer que todos os segundos passados sem mim são segundos perdidos. Finalmente, às próprias pessoas referidas, não se preocupem com devassamentos da vossa privacidade, também ninguem lê o meu blog de qualquer maneira.

R’ X-mas

Banda sonora: white christmas – Darlene Love


A banda sonora que escolhi para este post é daqueles raros casos em que a própria banda sonora, define o post… explicando, a “white christmas” da Darlene Love aqui incluida abre o album “A christmas gift for you from Phil Spector”. Porquê? Bom, é natal, este CD é capaz de ser um dos poucos CD’s de natal que eu suporto, e porquê? Porque é produzido pelo Phil Spector. O que é mais engraçado é que não sou um qualquer adepto incondicional de Phil Spector ou da “wall of sound” (ainda que tenha sido visto algumas vezes a dançar ao som da “Dancing Queen” dos ABBA, é verdade, mas estava alcoolizado, uns (violam menores, eu danço ABBA, all in all, podia ser pior).

Mas também, se o que eu vou escrever tem alguma lógica, como não sou adepto de musicas de natal, e muito menos de musicas de natal, esta escolha está tão deslocada como o meu actual sentimento:

Estou a viver na Holanda, isso é facto não desconhecido de qualquer pessoa que alguma vez tenha vindo a este blog. Agora, como é natal, vim a Portugal. Claro que é óptimo vir a casa, claro que é óptimo finalmente poder sair à noite até horas indecentes, ter o burro do meu cão a dar-me lambidelas na cara, tomar um café decente, buzinar no transito, ser treinador de bancada, sentir uma enorme satisfação por não ter bigode, odiar taxistas, não andar de bicicleta, comer um bife no tico-tico, acima de tudo, estar com os amigos.

Mas dentro de mim, a impaciencia parece consumir muita coisa, eu sei, eu sei, sou um eterno insatisfeito, lá, reclamo daquilo, aqui, reclamo disto, não que seja uma pessoa de natureza queixinhas (ainda que uma pequena vitimização seja inevitável quando penso poder assim ganhar um abraço de uma rapariga gira), mas neste momento estou tão deslocado do meu próprio mundo como as musicas de natal sempre estiveram do meu gosto musical. Sou um gigante com um pé na Holanda e outro pé em Portugal, mas ao contrário dos outros gigantes (sim, já conheci um par deles na minha vida), sinto-me bastante pequeno, quase como um fantasma vou pisando pegadas que já antes preenchi quando estava vivo mas que agora são meros passos repetidos. Nada de novo acontece. Acho que resumindo, venho cá, descubro que o que encontrarei quando voltar para Portugal afinal, não é nada de especial.

Tuesday, November 28, 2006

"asciende, vertical, el ascensor"




banda sonora: The Smiths - Unhappy Birthday

Ja devem ter reparado que a banda sonora do meu blog nao varia muito, Smiths, Chemical, Interpol, Radiohead, Nick Drake, Tricky, Stone Roses...bom, nao posso fazer muito. Tentei gravar um DVD com mp3's antes de vir embora mas a po**a do gravador nao esta a funcionar, necessita uma actualizacao do firmware. Entao vive-se com o que se pode ter. Ainda por cima, continuo sem net em casa, portanto sacar? fora de questao... Bom, de qualquer forma a musica de hoje, foi escolhida com muito amor. (va...vao la buscar o cd de smiths da prateleira para ouvir)
Sem net em casa, vou apontando o meu blog na faculdade. E chato fazer isto aqui, algo incomodo e por isso nao tenho feito muito. Contudo, hoje recebi um mail de alguem que le o meu blog (e eu a pensar que o Jorge e a Magda eram os unicos que o faziam...afinal ha mais, este blog e claramente o primeiro passo para conquistar o mundo. All be aware, we all know the plan, it's Manhattan today and tomorrow Berlin, a unica diferenca e que eu nao fui condenado a 20 anos de aborrecimento, so a um ano.
De resto, 3 posts num dia, decidi fazer uns high-fidelity listings para agora colocar um post um pouco mais decente. Cheio de energia hoje, nao fez tanto frio como tem feito, claro que chove, e o meu ipod, meu melhor amigo por ca (e unico, agora que a minha planta morreu...so much for self-medicated therapy), escolheu a autobahn 66 dos primal scream para comecar o dia.
porque a energia, porque e que estou electrico? ando com insonias desgracadas, nao consegui dormir nada a semana inteira, entao estou a viver neste limbo, o problema das insonias e este, e que o tempo acordado, nao se passa realmente acordado. Passo as horas num mundo muito proprio, nem ceu, nem inferno, todos parecem estar numa redoma gigante, nao sou eu que la estou, nao, e toda a gente a minah volta.
Bom, mas chega de auto-comiseracao para uma vida inteira... de facto, pensei fazer ainda mais uma entrada de blog ao bom estilo Portugues de auto-comiseracao, deixo aqui o primeiro paragrafo: "hoje acordei com artirte, como passei o dia todo no supermercado a passar embrulhos pela maquina, e parecia que nunca havia trocos, ai meu deus. Doi-me o braco! no metro, ninguem me deu lugar para sentar, ai,ai...e eu carregado de sacos do continente. Depois o comboio nunca mais chegava, foi horrivel, onde e que este pais vai chegar? isto assim nao pode ser, bem, vou-me sentar a ver a novela, depois telefonar a dois ou tres amigos so para nao dizer nada de interessante e deitar-me, dormirei feliz como uma alface, o prazer de ser portugues e levar a vida na IC19 apenas se pode comparar ao prazer de ser uma alface"
"Em todas as tuas te encontro/em todas as ruas te perco"
Morreu Cesariny, nada de elogios, mais um intelectual para o galheiro, sejamos honestos, o homem tinha rasgos de brilhantismo, quem sobra? Vamos la ver a lista:
Miguel Torga - Morto;
Jose Saramago - Exilado;
Cardoso Pires - Morto;
Cesariny - Morto;
Vieira da Silva - Exilada e morta;
Maluda - Morta; (ok, esta so veio para dar ar de que a crise de artistas e maior que e, ela nao era assim tao boa)
Lobo Antunes - vivito e a escrever;
posso trocar o Lobo Antunes pelo Cardoso Pires? Eu sei, e horrivel dizer isto, mas gosto mais dos livros do Cardoso Pires. Por outro lado o Lobo Antunes tem aquela vantagem que e poder ficar com uma doenca cerebral qualquer que o deixe a escrever tudo ao contrario que ninguem notara, o Cardoso Pires precisava estar lucido. Bom, mas o que e alarmante e nao sobrar ninguem que seja bom nesta coisa de fazer arte... Isso quer dizer que...olha, merda para a arte, ate a pouca boa que havia ja acabou. (ja agora, a Margarida Rebelo Pinto que se cuide, ahahaha, estou a brincar, a lista so tem artistas a serio).
Bom, correr, correr, correr, hoje estou com vontade de correr (dai estar sentado de rabo sentado na cadeira a escrever), vou ter de arranjar algo para fazer....ha dias assim, sempre a correr. ...but "John, I'm only dancing"...
P.S. Porque e que a merda da fotografia nao faz upload, ainda por cima e uma foto tao fixe...
Hoje estou muito "High-fidelity", decidi fazer top 5's de muita coisa
1. Human Stain - Philip Roth
2. Wuthering Heights - Emily Bronte
3. Candido - Voltaire (gentilmente oferecido pelo Eiró)
4. Seis problemas para Don Isidro - Borges y Bioy Casares
para quem ja ouviu falar no Picasso, o Picasso seria assim, so que muito maior.


Top 5 musicas das ultimas semanas, (...de apaixonado para ainda mais melancolico)


1. David Bowie - Moonage Daydream
2. Isaac Hayes - I stand Accused
3. Cat Power - Where is my love
4. Matt Elliott - Forty Days
5.Nick Drake - From The Morning

Friday, November 17, 2006

um mês sem escrever, é duro, é duro.. para mim, um alivio certamente para vocês. Estou temporariamente sem net. Espero resolver a situação muito em breve. Até lá, o surrealismo continua plenamente em Leiden.
cenas de proximo capitulo: Narrativas da viagem de dois dias a Bruxelas com a minha estranha e bizarra turma... aqueles a quem eu carinhosamente apelido de "fucked up bunch".

Tuesday, October 31, 2006


A dormideira




banda sonora: Chemical Brothers - Star Guitar
"...you should feel what I'm feeling, you should take what I'm taking..."

Numa semana passada na biblioteca, há momentos em que Leiden é uma simpática terra, com convidativos canais onde, CHUVE QUE SE FARTA!!!!! ...e somos obrigados a ficar em casa a ver a chuva cair e a olhar pela janela... ver as gotas de água que por ela descem e vaguear em pensamentos.

Recordar comboios a alta velocidade com chuva lá fora, atravessar campos e prados verdes em sitio estranhos da Europa. Pensar na roupa humida na mochila que não teve tempo para secar e o cheiro que dela emana, altura de tentar não pensar nisso nem no facto de não haver comida,

tal como em Interrail, há alturas em Leiden que me lembram o Carapinha: "anda lá Carapinha... é a dormideira!" E ele sorria de volta, e todos sorriamos juntos.

Saturday, October 28, 2006

A confusão

banda sonora: The Kooks - you don't love me or Interpol - Obstacle 1

Finalmente! Estou ocupado! Tenho coisas para fazer. Subitamente, todos os prazos aparecem. Tenho uma apresentação para fazer para dia 6 de Novembro. O tema: Diferenças entre a Transportadora Aérea Contratada e a Transportadora Aérea executante à luz do Sistema de Varsóvia/Montreal. Sei que para vocês pode não parecer excitante, pois... não fui eu que escolhi. É daqueles temas chatos que obriga a analisar todos os capitulos da convenção. Em busca de quatro linhas em casa um, chamo a estes temas, temas "verticais" que obriga a um trabalho de pesquisa terrivel.
Depois, também para dia 6 de Novembro, tenho de apresentar uma proposta negocial para a renegociação do bilateral de transporte aéreo entre a UE e os US, este para fazer em grupo, o que significa horas de discussao interna, reformulações, organizações de táctica de negociação, etc... na mesma semana em que mudo de casa e, portanto, não vou ter internet durante alguns dias. Que genialidade. Tudo somado, de repente o tempo que tenho em Leiden é curto, ainda bem que isto é uma aldeia, claro que antes...porque um Português não faz nunca hoje o que pode fazer amanhã, vou levar todos estes enormes problemas comigo para uma festa onde a cerveja custa 70 centimos. Tem de ser... tem de ser...
Entretanto, so para esclarecer, o Anes é um "apeshit" a "real old apeshit", que não está inscrito num qualquer tratamento de ajuda a ex-combatentes (onde devia), mas sim a partilhar uma sala comigo. The silent one is always the one who can crack... e como tal um claro suspeito da morte do Haanappel.
eu falei na cerveja a setenta cêntimos? Falei não falei, pois bem... fui!

Thursday, October 26, 2006


The strangest thing...

Banda sonora – Tricky – strugglin’

Que dia, mas que dia... passado na faculdade, uma investigação para a EAA que queria fazer há cerca de umas semanas. Aviso o leitor, encontro-me neste momento sentado com uma garrafa de vinho praticamente vazia ao meu lado. Nobody but me, has been talking to the bottle.

Encontrei o Kosovar. Ine’s ou Ane’s, baralho o nome dele, admito, é um homem estranho embora sinta que já tenho encontrado bastantes pessoas de países fechados na vida para compreender que ele não tem nada de estranho, apenas uma mentalidade própria. Um kosovar? É um romeno without all the luxury. Perguntei como que casualmente o que é que ele achava das holandesas. Nada me surpreendeu na sua resposta, vira louco com elas. Claro, (boa sorte em encontrar uma que queira ir contigo para o Kosovo parir sete crianças...).

De qualquer forma fomos tomar um café no bar da faculdade, um pequeno bar dentro do edificio da faculdade onde se acham muito radicais porque eventualmente uma pessoa pode comprar uma cerveja lá. Enfim, a charada Holandesa continua. Subitamente, pergunto-lhe como era a vida dele no Kosovo. Interessa-me saber, interessa-me saber como se vive actualmente no Kosovo e interessa-me saber como era a vida deste gajo que aqui veio parar. O que se passa nele, que pessoa será. Se existe um assassino entre nós, como será ele? Poderá ser este?

Ironicamente, as grandes revelações que recebi na minha vida, foram sempre entregues em tom pausado. Quando as pessoas fazem uma grande cena da sua noticia, não costuma ser uma grande noticia. Geralmente, são pessoas a quem nada acontece de extraordinário que costumam ter a prepotência de se sentir importante, certamente o são, mas apenas no seu pequeno mundo. Para a generalidade, quem conta com grande alarme as suas novidades, o seu cão mais esperto que todos os outros, os seus problemas maiores que todos os outros, não há na verdade grandes noticias a contar. O Anes é diferente, e foi calmamente, com as suas grandes mãos em cima da mesa e o volume baixo da sua voz a embalar o café que se encontrava à sua frente, que, do nada, ele me decidiu contar a sua vida no Kosovo. Bom, do nada não, porque eu perguntei, mas nada me preparava para ouvir o Anes, grande, a falar para dentro, tímido até, a contar aquilo que ele me contou. Como no ramadão não come durante o dia, como se senta sempre em almofadas. Que é normal no Kosovo uma pessoa descalçar-se quando entra em casa de alguém pois as estradas são enlameadas e, sobre o que fazia antes, como “queimou” a trabalhar para as nações unidas. Contou-me que trabalhava na investigação de crimes que podiam ser violações de direitos humanos. Foi aí que conheceu o Hannappel e, farto do mesmo, aceitou o convite deste para se juntar a nós em Leiden. Ele é um convidado especial de Leiden e do governo Holandês. “eeeehhh...a big step since the UÇK”.

Nesse momento vibrei, como se as minhas orelhas se pudessem erguer perante um som que me chama a atenção quis saber mais, quis saber tudo, o Anes tinha pertencido à Frente de Libertação do Kosovo, considerados por uns como terroristas, por outros como salvadores e sem nunca se livrar do titulo de assassinos de sérvios e albaneses, quis saber, queria naquele momento saber tudo, naquele pequeno café da faculdade de direito, onde toca Cesária Évora e, para grande surpresa e avanço das populações locais, é possivel comprar alcool. Poucos holandeses sentados nas mesas às nossas voltas, e o Anes decide-se a contar algo. Pouco, muito pouco, mas a bençâo de saber, em primeira mão, o que é pertencer à Frente de Libertação do Kosovo e hoje estar em Leiden, é de agradecer, seja a que titulo.

Segundo ele me contou, increveu-se na Frente de Libertação do Kosovo contra a vontade dos seus irmãos. No total eles são seis, quatro rapazes e duas raparigas. Na altura, 1996 a FLK começava a crescer e a fazer-se notar. Foi a altura de fazer alguma coisa. Os primeiros treinos militares, (conduzidos por alemães!!!!), conhecer Haradin Bala e fazer parte de uma das sete zonas de comando militar da FLK, para no fim participar na guerra civil e ver as FLK serem desmembradas. Na altura então, aparece a proposta, integração nas nações unidas enquanto a maior parte dos colegas formou a policia local. A transferência para Leiden, o convite para terminar nas aulas do Haannappel. Aparentemente enganei-me, sempre há alguém entre nós que não sabe o que é um “APU”.

Que pessoa especial, que vida diferente, só consigo imaginar do pouco que ele me disse, não quis falar muito, também nunca o faz e imagino que o tema o incomode. Mas ser recrutado. Levado para um campo de treino na Albania. Na altura as mãos ainda deviam tremer. Aprender a usar uma AK-47, ter quase medo do calor que exala de uma arma que dispara. Depois, lançado numa campanha. A caminhar em busca de um sérvio, o ataque a uma aldeia ou uma cidade. Ver veteranos ao lado, dos que fazem apostas de quanto tempo ele aguentaria, mas ele aguentou. Ver vitimas, ver gente morrer à sua volta, foda-se, matar pessoas. As duas mãos brutas que estão à minha frente, mataram pessoas. Quantas? Não faço ideia, será que ele sabe? Deve certamente lembrar-se da primeira, a primeira vida tirada com a sua AK-47, o selvagem ataque a uma vila, matar sérvios porque são...sérvios. Uma mulher desventrada ao lado, o cheiro de queimado e de morte, que horrivel deve ser o cheiro de morte, mas ele habitua-se, ele aprende. De repente, atirado de volta para perto de Junik devido à ofensiva sérvia, perder amigos na ofensiva sérvia, cada um a lutar por si, o panico de ver outros morrerem, puxar o braço de alguém que não se levanta e ter de o deixar lá. A reorganização, voltar à carga, agora é guerra civil, agora tudo vale mesmo o que antes já valia sem se admitir. Desta vez, quando desciam no território, ele já não era um recruta, ele era um soldado veterano, ele sabia o que se passava, sim, olho para ele e os seus olhos castanhos e tristes dizem-me que ele sabe o que se passou, ele já queria, ele aprendeu a gostar e a precisar da morte, do seu cheiro e da cor do sangue, do vermelho escuro. Desta vez, largaram-no praticamente sozinho, uma pequena unidade composta de SA-7’s e Stingers com o objectivo de proteger o espaço aéreo, mas o Anes podia ser deixado sozinho, ele agora já sabia o que tinha de fazer, nunca duvidava do tiro. Amava a frente, adorava a morte, ele não era mais um soldado das FLK, ele era um soldado da morte. Até tudo acabar, até a guerra ser terminada, o seu superior enfrenta acusações em Haia, ele é recolocado, de repente trabalha com as Nações Unidas, crimes de guerra, que irónico um homem que esteve na frente, que matou e aprendeu a gostar (para não dizer que era uma necessidade) de matar. Agora cabe-lhe a ele julgar. Tudo muda, o papel é diferente e a pressão insuportável. Como resistir? Fugindo, fugindo cada vez mais daquelas montanhas pelas quais vendeu a alma, um país para a familia, em troca de qualquer esperança de voltar a dormir descansado, sem aldeias a arder na mente, sem sentir o espesso vermelho do sangue na mão. Num salto, Leiden e a pacatez de uma aldeia holandesa. A morte de Hannappel, que diferença poderá fazer para ele? Agora tranquilamente acaba o café, voltamos para as nossas vidas e para o silencio sepulcral da biblioteca. O Anes senta-se ao lado de uma rapariga loira roliça.

Que dia que tive, mudo aqui a banda sonora, uma garrafa que termina, chove lá fora, e escolho para ouvir...
Miles Davis – Flamenco Sketches (Alternate Take)

Monday, October 23, 2006

"Vou-me a eles!"

banda sonora: dEUS - real sugar

Passei o fim-de-semana em Liege e Bruxelas, o que espero justificar a ausencia de detalhes. Caso se perguntem, sim, tenho andado a evitar Leiden ao máximo. Leiden, palavra que em alemão significa "doloroso" é um aldeia que tenho vivido até ao máximo sentido do seu significado germanico. Mas agora, baterias recarregadas, encontro-me pronto para a enfrentar. Vou mudar de atitude, anuncio, publicamente (ou publico-restrictamente atendendo à publicidade que este blog tem) que vou deixar de me preocupar, de tentar compreender, vou simplesmente deixar o que me rodeia, seja qual for a força que guia tudo isto, aparecer e confrontar-se comigo, vou fazer frente ao dragão, por assim dizer, vou simplesmente começar, metodicamente, a juntar todas as peças deste puzzle pois estou cansado de nada entender. "Vou-me a eles!", só assim conseguirei viver em Leiden.

Thursday, October 19, 2006

Happy Hour at Odessa
banda sonora - Matt Elliott - What's wrong
Passei o dia de certa forma nervoso, que seria que o Imoh me queria contar? Que é que poderia ser tão importante que ele quisesse encontrar-se comigo para me falar tendo-me avisado assim que me viu, contudo não pudesse ser contado ali, na faculdade, onde todos estamos?

Em vez disso, combinámos no Odessa às dez da noite. O que fazer para o tempo passar? Inscrevi-me em aulas de Holandês, não que pretenda falar bem a língua, mas pelo menos perceber minimamente o que me rodeia, a começar nas prateleiras de supermercado. Contudo, no meio de todos aqueles “jij’s”, “julliet’s” “verbonkt’s” e coisas parecidas, que oscilam entre o facil de aprender por lembrar o Inglês e um pouco o Alemão – do qual esqueci o pouco que conhecia, mas ainda vagamente reconheço a estrutura e forma no Holandês – e o dificil de entender o incompreensível, o frustrante e a vontade de desistir logo de ínicio, a secura da professora para quem deve ser um fastidio total ensinar o tão básico a pessoas adultas sem grande vontade de aprender, enfim, tudo isto se passava ao meu lado e eu via, algo assimilava, mas pensava em algo diferente, pensava no que poderia ter acontecido esta semana que tive fora que o Imoh me pretendesse contar,

No Odessa, chegado pouco depois da aula, encontrei o sitio quase vazio, o Imoh sentado numa mesa do fundo com a Agnes, a sempre presente Agnes, a gorda polaca Agnes que, apesar de ter bom coração, me choca com a sua simplicidade e pobreza geracional, o orgulho na sua pulseira que me mostra enquanto diz: “look, mexican silver, my parents brought it to me” e eu tento esconder o desdém que tenho pela sua simples pulseira tentando mostrar-me afável tendando enfim, esconder o aborrecimento que para mim é o seu encantamento com coisas triviais e burlescas. Recuso-me a viver um romance de Zola na minha vida real, e a Agnes, roliça, olhos gulosos, amante do Imoh, perfeitamente consciente que este tem a sua namorada na Nigéria e que ela não é mais que mastigável para ele, recorda-me tantas vezes a Naná, apenas mais “boazinha”.

Ele parece não querer falar, pelo menos não com a presença da Agnes, disse-me que esteve em Paris outra vez este fim-de-semana, este homem adora Paris, e no fundo, quer aguardar que comece a famosa “happy-hour on Monday’s at Odessa”, momento em que o bar subitamente enche, as canecas de cerveja aparecem de todo o lado e a enorme caça ao engate dos Erasmus se inicia, é um periodo de coutada sem limites de caça, cada um pode tentar o máximo de mulheres, ou homens porque elas também o praticam, e quando a noite vai correndo e o alcool as vai enchendo, mais facil tudo se torna. Para mim, sem desprimor, é uma seca. Caso exista alguma obrigação de homem latino de tentar o que quer que seja, eu falho tremendamente nisso, na verdade, aborreço-me nestas festas que considero, angustiantes. Velhas conversas de: “where you from? Ohhh, Lisbon, where is it? Portugal? Oh no, I know where it is… so you speak Spanish, right?. Um contingente inteiro de Americanas que não conseguem fazer uma frase sem utilizar 15 vezes a palavra “like”, tudo é “like” alguma outra coisa, mas nada é realmente como é, não sabem ser descritivos sem usar termos comparativos? É tãããããooooo cansativo, e eu estou claramente velho demais para alinhas nestes constantes jogos de engate, “men fighting for bones” e cerveja a rodos em todas as mesas. Subitamente, não sei de onde, tenho uma oriental que nunca vi na vida a chorar-me no braço pois descobriu que gosta do ex-namorado, eu nem sequer me preocupo em fingir que me importo, pois não me importo mesmo nada para além do facto de ela me incomodar, na verdade, eu só quero sair daqui para fora. Sair, sair, até o Imoh perceber e afastar-se comigo, agora sim, ele quer falar, a Agnes presente, pelos vistos, fazia diferença para ele, nem sequer um pouco respeito ela requer, até segredos e vida a sério ela permite que ele tenha com qualquer pessoa, até comigo. Ela sabe que eu sei, ela sabe que toda a gente sabe como o lugar dela está reduzido a um pequeno espaço no tempo dele, que a sua importancia não é universal, é relativa, como é que ela aguenta? A que mediocridade de vida se condena ela para que aceite isto?O Imoh conta-me, vai jantar a casa do Pablo, o Pablo quer falar com ele, quer discutir diz-me ele, a vontade e interesse dele na Maçonaria. Claro que eu não acredito muito no que ele me diz, nunca achei real que a Maçonaria fosse algo abertamente falada como ele fala e nunca pensei sequer, que uma das famosas secretas organizações que toda a gente conhece não evitasse, ou melhor, olhasse com reduzida importância a pessoas que abertamente falam que o querem ser, porque abertamente admitem que querem ser algo, que algo serve, seja o que seja. Nunca levei a sério o Imoh, mas então, que intenções terá o Pablo com ele? Que pretende aquele homem desta pessoa? Infelizmente a conversa
De volta a Leiden

Sim, de volta, para quem não sabe, estive em Lisboa durante uma semana, semana que deu para fazer várias coisas, nomeadamente:

be with those I love,
eat the fish I love,
sleep in the bed I love,
shit in the…errmm…estava mesmo a ver esta a vir, era desnecessário...

Bom, de qualquer modo, tive de ir a Lisboa fazer a oral da ordem e agora estou de volta, fui a uma aula de manhã e estive a ver tudo o que preciso recuperar devido a uma semana fora, não é nada grave, acho que no final da semana já terei tudo em dia. Por outro lado, passei na oral, o que me deixa a pensar realmente para que terei feito o exame, afinal, se deixam gajos como eu entrar na ordem, porque é que criam critérios de admissão de todo? Está mais que provado que qualquer um entra.

Por cá, além do frio desgraçado, tudo está mais ou menos na mesma, pelo menos não reparei em nada diferente (Leiden dá aquela sensação de que nada muda...) Na aula reparei que a Lauren estava bastante animada a falar com o Scott e o Imoh no final apenas me disse para me encontrar com ele no Odessa às dez, que ele tinha novidades para me contar, será algo relacionado com a vida dele? Será algo relacionado com as investigações? Descobrirei esta noite. De qualquer forma depois das aulas tomei café com o Robert antes deste voltar a Amsterdão e não me contou nada de especial, a Sara e a pequena Chinesa estavam, como sempre, sentadas juntas, o Jason nunca muito longe do Scott, os restantes embrenhados nas suas vidas. Enfim, o habitual em Leiden, admito que, acabado de chegar, estou longe de estar inspirado para vos contar o que quer que seja, mas estou curioso com as novidades do Imoh.

Finalmente, vou começar com as aulas de holandês.

Tuesday, October 10, 2006


Leiden's Top Friends:
banda sonora: I love you but I've chosen Darkness - The Ghost

1. Human Stain - Philip Roth
2. Candido - Voltaire (gentilmente oferecido pelo Eiró)
3. ...

Mr. Imoh

Primal Scream - Don’t fight it, feel it

Chegou a hora, a hora de falar dele, o grande Imoh. Desde que esteve em Paris na altura da festa de Leiden que não o tenho visto muito, mas hoje as coisas vão mudar. Desde a semana do malfadado homicídio que tem andado distante, não o tenho visto muito. Depois, na semana seguinte, foi para Paris. Agora, está de volta e hoje vou aproveitar para correr alguns bares de Leiden na companhia dele. (Talvez entre as oito da noite e a meia noite, claro. Depois disso já é tarde em Leiden para se fazer o que quer que seja.)

Encontrei-o em casa dele, toquei à campainha e ele abriu-me a porta, chovia torrencialmente como nos ultimos dias e eu estava um pouco menos que totalmente ensopado. A minha bicicleta tem a embraiagem sempre posta, o que traduzido na lingua da minha bicicleta significa que quando esta está molhada, do selim às correntes, muitas vezes me encontro a pedalar em falso pois a corrente salta de mudança em mudança fazendo-me um ainda mais perigoso condutor do que já sou. Parei-a, chamei-a de “porca miserável, ninguém te consegue montar quando estás molhada”, imaginei-a a responder, não algo definido mas algo no sentido de me chamar a mim porco pelas tristes alusões que faço à sexualidade dela, como se ela não fosse só minha, como se outros a montassem. Claramente Leiden está-me a dar cabo dos nervos. Voltei a colocar-lhe a corrente, o cinto de castidade de três euros que comprei para mais ninguém a montar, e fui a pé até casa do Imoh. Ele não me pareceu, de todo, feliz por me ver. Quando entrei em sua casa ele não estava sozinho, o Mendes de León, o Scott e o Jason estavam com ele.

Ainda não entendi, admito que ainda não percebi o que se passa com esta gente, até que ponto lhes interessa ajudarem e empurrar o nosso destino como pequenos doutores do direito aéreo, se é esse o seu interesse, se nos querem conhecer, porque tudo isto é feito de conhecimentos de amizades de palmadas nas costas uns dos outros, tudo um companheirismo que me parece constantemente desusado e interessado. Que tipo de amizade encerram estas pessoas, que faz um homem como o Mendes de León em casa do Imoh com o Scott e o Jason? Que forma de aproveitar o tempo melhor que esta ele NÃO tem? Para estar sentado em casa do Imoh, copo de vinho na mão, a discutir uma palestra em Sevilha no próximo mês de Maio?

Após uma rápida passagem pela casa-de-banho para me secar, sentei-me no canto da sala oposto ao Mendes de León, ele pouco tem de parecido com o Haanappel, enquanto que o Haanappel era um académico por excelencia, um homem talvez um pouco excentrico mas claramente com a cabeça noutro local do mundo, o Mendes de León em nada me parece um académico, dá as suas aulas com menor eloquências que as (poucas) aulas que assisti do Haanappel, erra por vezes, e adora trazer convidados às suas palestras. Gosta igualmente de ver apresentações por parte dos alunos o que sempre me pareceu como a pior forma de ensinar o que quer que seja. Não decididamente, este homem alto que se encontra sentado de perna cruzada com um copo de vinho na mão, magro e com a canela acima da meia à mostra, não é um professor e não é meu amigo. Não gosto dele, tenho de fazer o juízo agora que o vejo sem óculos numa pose que tenta disfarçar tranquilidade num ambiente que obviamente não é o dele.
Meio sóbrio, para não dizer completamente bebado. Foi-se embora, deixando o copo a meio poucos minutos depois de eu chegar, talvez um quarto de hora, um quarto de hora em que a conversa mudou verticalmente da compra da Aer Lingus pela Rianair para o Tennis, a derrota da Holanda na Taça Davis, a prática de golfe pelo Scott quando era mais novo e o gosto tipicamente masculino pela horrivel musica de camara que o Imoh tinha deixado a tocar, provavelmente tanto impressionar o Mendes de León, o Pablo. “friends don’t waste wine when there are words to sell”, lembrei-me eu quando vi que nem terminou o copo. De resto fingi-me indiferente ao facto da minha chegada ter sido uma alteração do planeado e deixei-me ficar com o Imoh, lá fora chuvia e de qualquer forma tinhamos combinado ir beber uma cerveja ao “Odessa”.

Saímos enquanto o telefone do Imoh tocava, o Imoh tem o telefone constantemente a tocar, normalmente raparigas, às vezes a sua namorada. Como disse, ele esteve em Paris e esta foi a primeira oportunidade que tive de falar com ele. O Imoh lembra-me o “Mr. Eko” do “Lost”. Nigeriano, cristão, é um homem de fisico enorme, que impressiona quando entra na sala, ou em qualquer sala em qualquer lugar do mundo. Tem um riso que alastra e normalmente está sorridente. Ao contrário do Mr. Eko, usa óculos e presume que a sua vida na Nigéria seja mais licita que a do Eko era. Presumo disse, não garanto que assim seja. Tem um olhar algo ganancioso e presume-se sempre pronto a entrar num negócio que lhe dê dinheiro. Tem uma clara avidez profissional que mostra descuidadamente. Por outras palavras, fala demais e sempre o oiço cum grano salis.

Fomos até ao Einstein, por lá apareceu a Agnes e uma amiga dela holandesa qualquer. A Agnes é uma rapariga de origem polaca que tem dormido com o Imoh, algo que ele enfrenta com a naturalidade Africana que de certa forma nos habituamos a conhecer quando lidamos com pessoas de cultura Africana e o seu desleixo pela vida a dois com o parceiro, a sempre disponibilidade para celebrar mais uma conquista amorosa, etc, etc, etc...

Depois de umas cervejas de novo ele tenta catolicizar-me, vive obcecado com o facto de eu não acreditar em Deus, no Deus dele ou em qualquer Deus. Acha que com os anos mudarei de opinião, o que até pode ser. A Agnes entra na conversa, tal como a amiga Holandesa, é bonito ver que ao menos consegui juntar dois católicos apostólicos Romanos e uma protestante do mesmo lado da barreira aquela que tenta argumentos vazios contra o Francisco e o tenta, em toque mágico, catolicizar.

Será inerente à educação cristã? Parece-me que sim, de alguma forma aqueles que cumprem uma formação cristã, seja na Holanda, Polónia ou Nigéria, levam como pequeno extra aquele chip que tenta introduzir a fé nos outros. Convence o próximo, salva-o da eterna condenação, salva-o, sei lá do quê, do ponto em que ele está agora, da vida a que se está a condenar. Da pós-vida sem luz, pois Deus vai querer que ele preste contas da sua falta de fé, ele vai-se arrender o pobre Francisco e todos os outros, mais vale que sintam o arrependimento agora, que se salvem, que se permitam a felicidade que nós sentimos. Mas nada disto serve, nada disto me convence, a minha avó com o inerente comportamento que denota uma qualquer herança judia (só pode, só pode) oferecia-me 500 escudos para ir à missa quando tinha uns oito anos. Aquele gesto, aquela nota, que uma vez aceitei, afastou-me completamente de todos os que me tentam convencer de algo. Aceitar aquela nota, não me vendeu, salvou-me, embora admita que na altura não fazia a mínima ideia que me estava a salvar e a comprar gelados (que grande negócio que aquele foi) a verdade é que me permitiu pensar, abriu-me a mente, que a minha fé tinha um preço, que assistir aquele teatro de gente que se levantava e sentava, sibilava em latim algo que eu não compreendia e repetia um texto decorado e que já na altura me assombrava como estava tão mal decorado por muitos dos que me rodeavam, o que para mim era de facto, uma peça de teatro algo mal ensaiada e que se repetia todas as semanas, até me parecia divertido, sem grande sentido mas contudo, sem sombra de duvida, divertido e que por isso não me custava nada assistir, era uma hora de domingo da qual não gostava muito de qualquer maneira e não a tinha ocupada nos meus oito anos, pois bem, esse suposto acto de ir à missa, e ouvir, e ainda receber quinhentos escudos, os quais aceitei porque tinha oito anos ou coisa assim, cresceram dentro de mim, tudo me pareceu errado, aquilo não fazia sentido repetir e excusado será dizer, nunca mais recebi quinhentos escudos, nunca mais me apeteceu ir a uma missa ou sequer entrar na igreja. Desde logo marquei uma fronteira quando aquele edificio, quanto ao sinuoso sorriso do padre de aldeia que me conhecia, desde cedo marquei a minha fronteira do outro lado. Senti-me abusado na minha consciencia, no meu não pensar, na minha confiança, havia confiado na minha avó, e que tinha ela feito? Sinuosamente tentado conquistar a minha alma e fé, e pior, não para ela, para a igreja, só para a igreja que compreende perfeitamente a sua idade, a sua viuvez e solidão no Porto, a igreja compreende perfeitamente que após a morte do meu avô ela se encontra vulnerável, então estende o seu enorme manto sobre ela, chama-lhe apoio, chama-lhe fé como inolvidável solução para as duvidas que nesse momento ela tem, e na verdade não é mais que um conquistar de uma alma, um amealhar de uma contribuição, a pequenina dízima que quanto maior for mais salva se encontra a alma, não temas a solidão, não temas, teme apenas a Deus e Deus tomará conta de todos os outros males, justifica tudo. Ora de repente estou em Leiden e sentado numa mesa com três pessoas que pensam que me podem convencer, ainda por cima fracos no seu convencimento, pouco esforçados, o que me faz rir por dentro, fazem lá eles ideia do que é viver numa cultura católica e resistir-lhe, quando o nosso sangue tenta, quem são eles para também o tentar? Os mesmos argumentos, repetidos e repetidos, como se pode aceitar uma criança que nasce com SIDA e explicá-lo? Como explicar que uma mulher penetrada por um homem dê lugar à vida nove meses depois? O que nunca ninguém me disse é porque é que um Deus, qualquer Deus, o explicar. Onde é que remeter assuntos aos designios de Deus, como se ele fosse um mero ministro com uma pasta sobre a qual ninguém deve perguntar, fosse solução, fosse a solução, nos fosse tranquilizar a alma ou a mente, ou o pensamento ou qualquer outra coisa que resulta da nossa irrequietude de pensamento, de duvidar, de ser Humano de questionar.
E assim voltei à realidade, e Imoh falava agora de outra coisa, de como ser cristão era importante também para pertencer à maçonaria, de como a maçonaria chegava a muito lado e eu enjoado, nao queria ouvir mais, mas estarei nas termas de Davos? Nesse momento não era Francisco, era Castorp, e ouvia tudo aquilo, de Deus à maçonaria, e quis ir-me embora, sair dali para fora, deixar aquela gente toda.

Wednesday, October 04, 2006



Defesa de Honra

Velvet Underground - European Son

Em retaliação pelos meus comentários à sua maquina fotográfica nova (pois só pode ser mesmo por isso), fui injustamente acusado de cometer o homicidio do Prof. Haannappel.

Obviamente, seria incapaz de matar quem quer que seja. Mas mais importante que isso, preocupa--me uma suposta revelação de instintos assassinos da minha parte. Certo que para a policia holandesa serei igualmente suspeito, afinal, todos somos, agora para vocês?

De qualquer forma insisto em "limpar" a minha honra quanto ao que aconteceu, já me bastam as negras nuvens de Leiden (e os seus ocasionais aguaceiros). Já me basta o ambiente que se vive por aqui, os olhares entre todos neste "cluedo" ao vivo. Tudo somado, não preciso de pessoas em Portugal a achar que eu o poderia ter feito.

Em primeiro lugar, não tenho motivo, mal conhecia o homem e comigo não tinha tido qualquer problema, claro que já tinha ouvido falar da fama dele, mas nunca me tinha directamente saído nada da sua cartola.

Em segundo lugar, posso recordar perfeitamente o dia, penso que me lembrarei dele durante muito tempo, em que ele morreu. Fui dos primeiros a sair de casa dele com o Imoh, caminhámos directamente, sem nunca nos separar até à estação de comboio, apanhámos o comboio para Leiden em "sprint", entrando no ultimo segundo, chegados a Leiden seguimos os nossos caminhos. Estava terrivel, e anormalmente cansado nesse dia em virtude da visita de estudo detestável do nosso "fucked up bunch of people", e fui dormir directamente. Na altura o quarto ainda era o da Line e a Valeska ainda lá estava, pelo que tenho testemunhas, a Valeska que a ver os "angels of America" já estava no quarto e no quarto ficou, que eu saiba, o resto da noite enquanto eu dormia. Tenho quase a certeza que ela não saiu, pois ouvi a Line chegar e as duas falaram.

Portanto, estou totalmente protegido. Podem deixar de suspeitar de mim. Sou um mero narrador, e encaro a minha falta de qualidade como tal como a principal razão pela qual não fui, logo de inicio, descartado como possivel criminoso. Tento contar uma história, uma história impressionante que me está a acontecer. Às vezes ressacado, com uma caneca de nescafé à frente, sei que posso saltar passos essenciais, tento reduzir propositadamente as partes mais discritivas dos diálogos mais relevantes, pois o formato de publicação em Blog é inimigo de longas entradas. Mas tento, o melhor possivel, contar uma história, como as histórias que se contam às crianças, inventadas no momento, sabendo que, desde que haja principes e castelos e dragões, eles vão gostar. Do mesmo modo vou contando, sem regras nem principios, sem descrições pormenorizadas, os trechos mais importantes, aqueles onde entram os principes e os dragões e os castelos.

Sou um mau narrador, mas contudo um narrador inocente!

Sunday, October 01, 2006

Aeroportos
banda sonora - Interpol - Hands Away
Alguma vez disse como adoro Aeroportos? É verdade, adoro-os e nada me consegue fazer deixar de gostar deles, e acreditem, já fui testado. Nem falo de cancelamentos de voos, atrasos, ligações perdidas, experiencias de que já fui vitima mais vezes do que certamente gostaria. Falo de momentos de enorme tristeza no posto de chegadas da Portela. Ainda assim, nada me encanta mais do que um Aeroporto e em especial, o local de chegada.
O que gosto num Aeroporto é o facto de tudo ser moderno e sofisticado. Tudo tem uma enorme organização por trás que, mesmo que por vezes não funcione, existe. Na placa tudo trabalha conduzindo os seus pequenos carros e não tão pequenos autocarros pelo local fora. Parece que estao a brincar à escola de condução naqueles caminhos todos desenhados no chão, seguindo as linhas brancas e parando nos locais amarelos. Tudo pensado, tudo escrito nos anexos da Convenção de Chicago, tudo... organizado ao mais pequeno pormenor.
Sentar à janela de um grande aeroporto a olhar para a placa é um enorme prazer, e eu deixo-me ficar largos minutos encantado a olhar para toda aquela vida lá fora. É um mundo que admiro e me deixa em encantadores pensamentos, sem metafísica note-se, pois todos nos recordamos daquele verso "E a consciencia de que a metafisica é uma consequência de estar mal disposto".
Ver os carrinhos a conduzir e as malas que caiem desamparadas no meio da placa, dá vontade de lhe gritar "Ó Esteves!" mas não vale a pena porque ele não vai ouvir, vai continuar a conduzir, se me visse, certamente diria adeus, assim, continua a conduzir, fumando e saboreando no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Dentro do Aeroporto, outra confusão, desta vez mais humana que maquinal, neons em vez daquele r-r-r-r-r-r-r eterno das rodas e engrenagens, mas também esta beleza, do polido e da comida embalada, é como a engrenagem uma beleza desconhecida dos antigos, e também há Platão e Virgilio dentro das luzes eléctricas só porque houve outrora e foram humanos Virgilio e Platão. Gente que atravessa de todas as cores raças e feitios, só falta um cavalo amarelo, mas esse fica para outros dias, tentar compreender quem são, de onde vêm e para onde vão. Seguir a nossa porta de embarque, entrar num avião, ver pela janela aquelas enormes turbinas, fazer taxi até à pista, - o Homem ao meu lado cheira incrivelmente mal - tabuleiro para cima, cadeira levantada, cinto posto, que importa se todos morrermos, morrer com o cinto? De repente, aquele impulso, toda a potência querendo levantar o aço sobre o qual me sento e cuspir-se a ele próprio para o céu! Cuidado, nada de estatelar uns metros à frente, aqui vamos nós, "Ah poder exprimir-me todo como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina! Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto!"
É amar tudo num Aeroporto, sentir-me, e estar, acima das nuvens, e em menos de hora e meia, estou despejado em Schiphol, noutro país, noutra língua, em carros de matricula diferente. "Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera! Amo-vos carnivoramente".
A única parte chata são mesmo as filas de espera, os interminaveis controlos, abre a mala, tira o portátil, atira-o para a fornalha de raio-X, recebe-o do outro lado:" huuumm...aquela não me importava nada de ser eu a revistar" ("Ah! Olhar em mim é uma perversão sexual)", para depois chegar, à sala de chegadas.
Nada existe como a sala de chegadas, em que mulheres arranjadas esperam os seus noivos, os seus maridos, esquecerem as chatices pelo prazer do reencontro, é neste momento que faço uma forte guinada, sigo pelo lado, por mim ninguém espera, sigo sozinho, posso apenas entreter-me a sonhar as suas vidas complexas, "que coisas lá pelas casas de tudo isto!" dissensões domésticas e deboches de todos eles, sigo apenas o meu caminho, cara estranha a todos os que me rodeiam que em mim nem notam, linha cinco, plataforma para Leiden, vou voltar para a vila "Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!"

Saturday, September 30, 2006


Caminhas pela cidade, evitas as bicicletas.
Sentar ao lado do planetário.
Sabe bem passear em Copenhaga
No meio das torres verdes e do design moderno.

Copenhaga



Estou em Copenhaga, por uma lado sentia uma vontade enorme de sair de Leiden e da opressão que sobre mim caia, (um dia aqueles canais vão-se revoltar e bicicletas choverão sobre os Holandeses) por outro, já tinha viagem preparada de qualquer maneira. Após as aulas saí directo para casa, hoje mal tive contacto com os restantes alunos da turma. O Jason e o Scott sempre juntos, o Kabera sempre sorridente. Aquele homem anima-me de certa forma com toda a tranquilidade que encerra dentro dele. Enfim, passando à frente, abandonei a aldeia (“The village” num tom muito identico ao “the shop” no League of Gentleman) e dez minutos depois estava no aeroporto. Comi qualquer coisa a correr pois estava bastante adiantado e, quando fui fazer o check-in constatei uma coisa maravilhosa. O meu voo foi cancelado. Assim, sem mais nem menos, em toda aquela confusão de companhias aéreas, códigos de voo, portas de embarque, balcões de check-in, um destacava-se pela sua informação simpática e seca: “cancelled”.

Permitam-me agora por a minha metralhadora de Chico Norris, e dizimar todos os malvados Schipolenses enquanto salvo o meu coiro e chego até Copenhaga, é urgente cumprir a missao pois, quero ir à conferencia, ficar será uma enorme batalha para obter toda a minha compensação e, acima de tudo, o João Semedo tem as minhas ajudas de custo. Por isso, vou agora gabar-me de como friamente enfrentei todos os adversários.

Tranquilo decidi por os meus conhecimentos de direito aéreo em prática, dirigi-me ao balcão da KLM onde me disseram que tinham já alterado o meu voo para o dia seguinte de manhã e que portanto não tinha nada que me preocupar. Tudo estava a acontecer, como tantas vezes ouvi outros reclamar que lhes acontece, como tantas vezes encontrei relatado em e-mails e cartas de reclamação, desta vez...tinha-me calhado a mim. Um enorme sentimento budhista caiu sobre mim, e, aceitando o destino como é, fui para casa...

Não, não foi nada disto. Não voltei para casa porque um voo no dia seguinte não me servia de nada porque o que eu queria era ir a uma conferência no dia seguinte. Então com um enorme sorriso na cara e o tom enervantemente tranquilo que tento sempre produzir nestes momentos, expliquei que não podia ser pois precisava de ir para Copenhaga nesse dia, que de acordo com o Regulamento 261/2004 eu tinha direito a uma enormidade de coisas que iria de seguida elencar, mas que começava pela primeira, “re-routing” para o destino o mais rapido possivel, - não deixei nunca esquecer, ainda que dito de passagem, que a conferência onde ia era uma conferência de Direito Aéreo -.

Assim, subitamente, tinha um boarding pass de executiva no voo seguinte ainda aquela noite para Copenhaga, dinheiro para comer qualquer coisa enquanto esperava, crédito para usar no telefone ou e-mail do Aeroporto, e um voucher de 50 euros a descontar no meu próximo bilhete comprado na KLM. É verdade, há coisas boas em trabalhar em direito aéreo.

Pelo que, passei umas quantas horas na sala de espera da KLM, royal lounge, claro está já que me tinham feito um upgrade, no meio de gordos executivos de cinquenta anos a pensar como era indecente não ter acesso à internet naquele lugar. Comprei um filme em DVD para passar as horas, “A streetcar named desired” por 15 euros pareceu-me o melhor negocio – ainda que não tenha chegado a ver o filme – e deixei-me ficar no confortável sofá a pensar na vida, a pensar em Leiden, pensando muito...sobre os recentes acontecimentos, sobre as pessoas da nossa turma que poderiam ter cometido um crime, uma coisa que nos parece existir apenas nos filmes e que de repente ali estava, na minha vida, “enfiado” no meu calendário, complicando o que poderia ser simples, baralhando, o simpático professor Hannappel, toda a minha vida.

Pensei igualmente em Copenhaga. Eu adoro Copenhaga, é um cidade mesmo especial, o problema é ser tão cara, mesmo assim, tanto que me diverti por cá. A minha primeira chegada a Copenhaga fazia sol, cheio de sono por ter feito uma directa e outros precalços de interrail pelo meio, lembro-me de ter chegado à pousada do grande jamaicano preto chamado Mike que afinal, era uma velhinha dinamarquesa, como dormi umas 16 horas seguidas na sua pousada, como o chuveiro tinha um cheiro estranho que ainda hoje, oito anos depois, me lembro. Como comprei bolachas dinamarquesas a pensar que estava a receber um saco cheio daquelas bolachas que adorava em criança naquelas caixas azuis arredondadas (que, infelizmente, nunca duravam muito tempo) e afinal sabiam mal porque levavam gengibre ou coisa parecida, Copenhaga é maravilhoso, pena que, de certo ponto, irrite como a cidade é tão cara. Que prédio maravilhoso onde se viver, com esta praça onde tudo é bonito – mas o preço deve ser exorbitante - , que ruas excelentes onde se passear, incrivel como até as bicicletas têm melhor aspecto que na Holanda feitas em Titanio – pena que custem mais de 300 contos - , que ruas amplas, que som de carro a vir – pois claro, é um ferrari, não, é um ferrari 599 GTB – vou apenas dar um excelente passeio pela Stroget, e fingir que sou de cá. O melhor mesmo, é imaginar que vivo cá. Telhados verdes, uma historia de tareias levadas no seu próprio porto pelos Ingleses, ocupação nazi e um bairro que quer ser independente. Copenhaga tem de tudo. Provavelmente também terá assassinos.

Thursday, September 28, 2006

O suspeito de Taiwan

Banda Sonora: Radiohead - Stop whispering

Finalmente, fizemos a viagem à torre de controlo aéreo militar. Excusado será dizer que, atendendo aos acontecimentos com o Hannappel, o ambiente estava longe de ser o melhor. Ainda assim, penso que todos fizemos o melhor por aproveitar a visita. Praticamente toda a gente apareceu, a Cammy, Kammy, ou sei lá como se chama a nossa querida Chinesa de Taiwan, com nome mais de artista porno que de qualquer outra coisa, finalmente apareceu. Tem um penso na cara e coxeia quando anda. Não podemos deixar de ligar tal coisa ao facto do Professor Hannappel ter morrido após uma aquecida discussão e possivel luta com alguém. Poderia a Kammy ter alguma coisa a ver com a situação? É um facto que ninguem sabe onde ela estava quando o acidente aconteceu, mas talvez seja um pouco maniaco olhar assim para ela. Tem tudo menos o ar de quem poderia matar uma pessoa, mas por outro lado, como se parece uma pessoa capaz de matar outra? Todos nós somos capazes de ter instintos assassinos (quantos não tive eu relativamente à Isabel), mas daí a realmente cometer um crime, bom...vai um gigante passo para uns, talvez um pequeno passo para outros. De qualquer forma, não ponho a mão no fogo por ninguém. Que sei eu afinal dela? É de Taiwan, acabou o curso e decidiu imediatamente inscrever-se sem ter qualquer experiencia profissional. (O Hannappel uma vez salientou como a experiencia profissional é importante para se conseguir fazer um curso em condições e realmente apreender o necessário), tem uma voz irritante e um riso ainda mais irritante. Daqueles que dá vontade de a calar à porrada, sem na verdade ter dito nada. Tem a cara marcada, daquelas marcas que costumam resultar de uma fase teenager com bastante acne, ou, seguindo o riso dela, provavelmente o pai batia-lhe até ela se calar, e as marcas ficaram...

Bom, de qualquer forma tento falar com ela o minimo possivel por ser um ser, à partida, irritante. Contudo, independentemente da sua personalidade, é necessário admitir que mesmo sendo a pessoa mais amorosa do mundo, tem todo o ar de quem participou numa cena violenta como aquela em que resultou a morte do Prof. Hannappel.

Segundo o Imoh, com quem dividi o banco no terceiro comboio que apanhamos nesta longa viagem, a desculpa que ela apresentou foi ter tropeçado das escadas abaixo na estação de comboio. Pois, convenientemente sozinha digo eu, paranoico de merda também digo eu. Uma coisa é achar que ela tem um riso irritante, outra coisa é dizer que ela poderá ter cometido homicidio. Vou mas é calar-me e dormir um pouco.

O Crime
Finalmente, toda a confusão se desvaneceu, (ou começou). Finalmente, descobrimos o que se estava a passar. Mais valia nunca ter sabido, mais valia nunca ter acontecido. O Prof. Hannappel foi assassinado na segunda-feira e o Prof. Pablo Mendes de León foi levado a prestar declarações. Aparentemente o corpo do Prof. Hannappel foi descoberto em sua casa na terça-feira ao fim do dia após o seu desaparecimento da vida quotidiana durante o dia ter levantado suspeitas numa personalidade tão rotinada. O Prof. Mendes de León, como seu natural sucessor na competitiva vida académica que existe nas Universidades, da qual Leiden não é excepção, é quem mais beneficia com a morte do Académico e por isso teve imediatamente de prestar declarações. Mesmo assim, parece-me um pouco estranho escolherem-no a ele.

Contudo, a vantagem de escrever isto com alguns dias de atraso permite-me adiantar mais informação do que a que tinha quando originalmente escrevi este texto, veio a saber-se que uma vizinha tinha ouvido uma discussão de Hannappel com alguém, em Holandês, sobre precisamente o nosso LL.M., pelo que, de uma forma geral, todos somos suspeitos do horrivel crime. O Mendes de León em primeiro lugar, os alunos de seguida. Ainda assim a discussão foi em Holandês, pelo que não nos têm incomodado excepção feita ao Robert que, como cidadão Holandês, podia ter tido a referida discussão. Aparentemente houve uma discussão, moveis partiram-se e o Hannappel foi surpreendido com um golpe seco na nuca de um vaso que era sua propriedade.

Excusado será dizer como todo o ambiente se tornou bastante pesado. As nossas aulas vão continuar, isso já sabemos agora. A Judith parecia bastante desconsolada com toda a situação o que é, digamos, normal. Contudo, parece-me que exagera um pouco na tentativa de manter a nossa vida quotidiana como se bastasse trocar o Hannappel por outra pessoa, (até o jantar de hoje em casa da Paula continua organizado sem possibilidade de adiamento, mais um facto de socialização forçada).

O Hannapel será substituido e, como é natural acontecer em situações semelhantes a esta, o Mendes de León dará as aulas dele durante um periodo de tempo ate existir substituto. A noticia, contada pela Judith com o Mendes de León presente, caiu, claro está, como uma bomba. Todos nos olhámos surpreendidos e apenas uma cara sorridente existia na sala, a do Kabenda, ou Kabeza, ou lá como se chama o Camaronês que me esqueço sempre dele. Mas suspeito que tal sorriso queria apenas dizer que ele não estava realmente a perceber o que se estava a passar. O Imoh explicou-lhe a situação mais tarde, segundo me contou.

Espero que apanhem o assassino depressa e levantem a suspeita que paira sobre toda a turma. Será um jantar certamente desagradável

Wednesday, September 27, 2006

A Francofose

banda sonora - The Smiths - There is a light that never goes out

O presente texto deveria ser acompanhado pela imagem do quadro metamorfose da Paula Rego, infelizmente, há já alguns posts para cá que não tenho conseguido fazer upload de imagens.


F. acordou e sentiu-se quente, suado, extremamente irritado pela luz. Olhou para si próprio e encheu-se de terror. O seu corpo, encontrava-se transformado no de um horrivel insecto.

Rebolei sobre a minha casca, aparentemente não foi dificil colocar-me sobre as patas e corri para a casa de banho. Tomei um excelente banho depois de um complicado esforço de abrir a agua com as minhas quatro patas dianteiras enquanto aguentava o enorme peso do meu corpo sobre as duas patitas que me restavam. A luz era extremamente desagradável, por isso tomei banho às escuras.

Tentei vestir-me, foi um esforço inutil, a minha roupa não me servia. Pensei como seria sair à rua assim e pensei seriamente ficar no quarto o dia todo a chorar a minha triste fortuna que me havia feito acordar transformado num insecto. “Podia ser pior” - pensei para mim – “ao menos sou grande o suficiente para não ser pisado e acabar a minha vida sob a sola de um enorme pé holandês”.

Mas não podia ficar no quarto, tinha de tratar de tanta coisa... saí da casa com algum temor de ser visto por alguém. Um pouco inútil já que quando chegasse à rua não poderia esconder a minha horrivel condição. Ao menos no meio de tanta pata e baba que, aparentemente, me saía incontrolavelmente pelo que outrora fora uma boca, hoje uma estranha glangula de sucção de alimentos, ninguém notaria o facto de não ter qualquer roupa. De qualquer forma, a ideia de enojar um estranho na rua parecia mais agradável que qualquer das pessoas que vive no prédio.

Estranhamente, na rua ninguém teve qualquer reacção fora do comum, é como se para eles eu fosse uma pessoa normal. Certamente, a minha condição de insecto era apenas aos meus olhos visível, o que fazia de todo o meu terror não menor problema do que se fosse visto por todos. Talvez acabasse, caso fosse visível ao olho comum o meu estado, dentro de um frasco de formol em qualquer escola de ciência para ser estudado, mas assim, insecto apenas perante eu próprio, senti um pavor de perpetuar a minha existência nesta condição, o que para todos os efeitos, me parece como um dos mais terriveis castigos que poderemos sofrer na vida.

Dirigi-me à Agência através da qual encontrei a minha casa. Aqui, de forma a fazer o contrato de arrendamento, necessitava uma declaração negocial de interesse da casa de forma a garantir que não era arrendada a outra pessoa. O espaço encontrava-se algo escuro, o que para mim era agradável, especialmente quando o nevoeiro que se fazia sentir em Leiden já estava a desaparecer e o sol incomodava-me. A funcionária perguntou se eu queria um copo de água, mas com medo de não o conseguir beber, ou antes ingerir já que não sei se beber é um possivel termo aplicável, educadamente recusei. A minha cauda (sim, cauda, porque não ser um insecto com cauda) desastradamente atirou uma caneta ao chão a qual não apanhei com medo de me desiquilibrar na minha massa corporal disforme, toda esta situação, que poderia ser vista como inofensiva na verdade não foi, pois causou um enorme mal-estar com a funcionária da agência. Depois de ler todos os papeis várias vezes (já que na minha esfera visual conseguia ver vários angulos do papel para onde olhava), conclui que necessitava fazer uma transferência bancária e indicar o meu banco cá na Holanda. Pressionado por toda a situação, a minha deformação horrível, a atitude passiva de quem parecia estar a olhar para uma pessoa e todo o mau estar causado pela caneta fez com que, em vez de calmamente procurar uma solução, fugisse dali para fora prometendo voltar quando tivesse uma conta bancária.

No ABN-AMRO, mais humanos. Aparentemente a minha situação é única, ou então também a mim, mesmo insecto, os outros me parecem humanos normais. No banco fui informado que, para abrir uma conta, necessitaria de uma declaração donde constasse a minha futura morada. Excusado será dizer que, tentei explicar à funcionária como a abertura da conta teria de ser forçosamente previa a ter casa de forma a poder ter uma casa. A funcionária ficou impassivel. Desisti.

Na verdade, tinha no caminho passado por uns 4 caixotes de lixo e sentido alguma fome, descia a rua sobre as minhas quatro patas enquanto coçava o queixo e com a outra chutava uma garrafa de fanta pelo caminho fora. “Porque é que os bancos nos pedem uma morada? Mas por acaso alguém vai depositar dinheiro num banco para depois desaparecer sem rasto e nunca mais dar noticias?”.

Bem, dirigi-me à Camara Municipal. O Municipio é uma peça essencial em todo este processo, lá necessito obter a minha residencia legal, documento imprescindivel, tanto para abrir uma conta como para alugar a casa. Claro que por esta altura me sentia mais conformado com a minha nova grotesca aparência física, além do mais, numa câmara municipal certamente veria mais bizarros animais por detrás do balcão. Citando a arara que me atendeu, como me custa aceitar a forma como olham para mim, como se fosse um normal ser humano, “Sendo aluno deve tratar de todo o processo através do Gabinete de Relações Internacionais da Universidade”.

Mas, de novo aqui, no Gabinete de Relações Internacionais da Universidade de Leiden me pedem uma morada.

Pelo que, de forma a obter residencia tenho de ir à Universidade. Os serviços da Universidade pedem-me um documento comprovativo da minha residência, de forma a ter um sitio onde morar, necessito demonstrar a minha residência e abrir uma conta no banco. Para abrir uma conta no banco, necessito tanto de obter a residencia como ter um local onde morar.

Derrotado, humilhado, cansado, a cheirar mal voltei derrotado para casa. Deitei-me sem comer. Bom, saquei um par de escaravelhos do caixote de lixo que me souberam maravilhosamente bem. Após umas horas de sono, pensei, voltarei a ser humano de certeza.
hoje tive um dia estranhíssimo! Não sei bem o que aconteceu, apenas que a ida a um centro de controlo de tráfego foi cancelado.
Aproveitei o dia para arranjar casa, finalmente já tenho casa a partir de novembro. Até lá, fico com um quarto no prédio da Line.

O universo de facto, é perfeito, e toma conta de nós.

Mais que isso pela manhã soube que tenho a oral marcada para dia 12 de Outubro. Assim que irei a Portugal.

Leiden está hoje, especialmente estranha...e esta coisa da visita cancelada? Não sei o que aconteceu. Eles são um pouco desorganizados, mas normalmente não são tanto.
Visita de Estudo


Antes de mais, caso perguntem porque é que não tenho acrescentado nada ao meu Blog ultimamente, não tem nada a ver com a erva holandesa nem com a minha ida a Amsterdão este fim-de-semana, na verdade é porque mudei de quarto. Neste momento, estou no futuro quarto da Line, com uma cama, metade das paredes pintadas, e duas maravilhosas janelas sobre o canal que compensam tudo menos, a falta de ligação à Internet.

Neste Domingo à noite, convem explicar já que a data de entrada da informação no blog será...quando calhar, olho para o fim-de-semana que passou com alguma frustração. Ainda assim posso dizer que imensa coisa aconteceu. Ontem fui a Schiphol buscar o meu bilhete para Copenhaga. Para a semana, sim, vou a Copenhaga. Além disso comprei um cadeado para a minha bicicleta, é certamente o cadeado mais ridiculo que alguma vez vi, mas a verdade é que cumpre os seus dois objectivos, fingir que a bicicleta está, de alguma forma segura, ou pelo menos não abandonada e assim não ser um convite ao mergulho no canal e, por outro lado, conseguir ser mais barato que uma bicicleta de cinco euros. No total, bicicleta mais cadeado, ficaram por oito euros. Inacreditável, perante este preço, quem pode levar em conta pequenos detalhes como os travões não funcionarem, ser ferrugenta, ou qualquer outra miseravel indefinição da sua existência como uma bicicleta?

Bom, de qualquer forma, o prato do dia foi certamente o meu domingo. Visita de estudo! Sim, verdade, tive uma visita de estudo (e amanhã terei outra, mas cada coisa a seu tempo...) e foi algo de grotesco. Decidi entretanto que vou relatar tranquilamente os meus colegas de turma, cada um deles é um diamante em bruto enquanto ser humano, e todos juntos, somos o que se pode realmente chamar “a fucked up bunch”!

Anyway, eis o que se passou neste maravilhoso domingo. Encontramo-nos na estação de Comboios por volta da uma da tarde. Aproveitei para acordar com calma, ir até ao centro, comi qualquer coisa e depois juntei-me à deliciosa troupe com que partilho a paixão pela aviação. Quando cheguei, tudo estava como já esperava, a simpatica Judith, coordenadora do programa já lá estava, juntamente com a exotica Hungara Kinga, e o introvertido Inglês Londrino, Scott. O par habitual do Scott, um americano chamado Jason não apareceu. O grande e poderoso Imoh, um Nigeriano cristão que me recorda constantemente o Eko do “Lost” ligou-me a dizer que estava atrasado e perguntou se lhe podia ir comprando o bilhete. Dito e feito, no meu regresso a ex-militar Sara já tinha aparecido, a Jackie, sua irritante amiga da Republica Democrática da China também faltou ao contrário do Kosovar Enis que havia chegado, de facto e com um ar deprimido, claramente o Enis encontra-se no ramadão. Pouco depois chegaram os mais atrasados, a Kathleen, alemã desportiva e a Rita, a minha colega Portuguesa da Ana Aeroportos de quem não muito falarei pois ela certamente pode ler este blog. Além de que, honestamente, ela é dos poucos daquela turma que não merece ser vitima do meu habitual tom cáustico de descrição das coisas (ainda que escrito nunca seja tao mau como falado). A Lauren, escocesa em fase pós adolescente, delegada de turma não sei de acordo com que espirito masoquista também já lá estava.

Todos juntos, lá fomos nós para o comboio em direcção a Amsterdão, sentamo-nos todos mais ou menos ao calhas, sendo que fiquei ao lado da Judith e com o Imoh, à minha frente. Ao lado dele ficou o “gaijo” do Rwanda, que eu não sei bem como se chama, Kabeza, ou coisa assim (ele nunca sabe bem onde está, nem por onde anda, mas vem sempre... já por uma vez ou outra notei nele instintos assassinos). Ao nosso lado, dois pacatos holandeses olhavam entretidos para a Rita e para a Kathleen. O tema de conversa, o facto de que terça feira temos um jantar, onde cada um deve levar algo cozinhado, tipico do seu país. Hhuuuummmm...qualquer pessoa que saiba como eu sou a cozinhar imediatamente teme pela vida. Mas esta gente parece ser capaz de enfrentar qualquer coisa.

Chegados a Amsterdão, começamos a notar todo o ridiculo da coisa. Um grupo estranho, todo junto, mais parecia que seguiamos em conjunto o guia turistico, só faltava o guarda-chuva e em busca da saída. A nossa missão, ver uma exposição de design industrial de aviões. MAS QUEM FOI O SÁDICO QUE SE LEMBROU DE NOS METER A TODOS NUMA EXPOSIÇÃO DE DESIGN DE AVIÕES? Lá estava ele, à porta da estação à nossa espera, o Prof. Happelman.

O Professor Happelman é um daqueles académicos que vive noutro mundo. Simpático, olha-nos com um ar perigoso por detrás das suas enormes lentes redondas. O que ele está a pensar, escapa-me totalmente mas é de certa forma desagradável. Percebi o genero quando a primeira aula foi adiada duas horas porque ele tinha perdido a carteira. Presumo que já a tenha encontrado no bolso de trás das calças onde sempre esteve. O ultimo do grupo, o solícito Robert, unico aluno Holandes da turma, juntou-se igualmente, e apenas, em Amsterdão.

Depois de duas horas em profunda admiração do desenvolvimento do design dos tabuleiros de comida nos vários DC’s, Caravelle’s, Boeings e Concordes, podemos finalmente abandonar aquele horror. Ainda fomos tomar café e finalmente, o Prof. Happelman convidou-nos a todos a ir a sua casa tomar uma bebida e conversar um pouco. Daqueles convites que não se podem recusar, daqueles convites que todos queremos recusar. O tipo de actividade social que apenas duas pessoas no mundo verdadeiramente adoram, o Pedro Alves e o meu pai. Instalados na sua confortável casa, compreendemos que ele vive sozinho, com um enorme canal à frente da sua casa e alguem lá levou comida para todos, incluindo o Enis que se limitou a sentar numa almofada à espera que anoitecesse para poder comer qualquer coisa.

De longe, o momento mais horrivel foi quando o Robert, sempre atencioso na forma hitleriana que os holandeses conseguem ser atenciosos, disse ao Enia para ir buscar um prato de comida, se servir e dessa forma garantir que algo sobrasse quando fosse noite, senão correria o risco de não haver nada quando, finalmente, lhe fosse permitido comer.

Eu disse que descreveria eventualmente todos os meus colegas mas, sendo Leiden o aborrecimento que é, penso que poderei igualmente descrever os professores.

O Professor Happelman, amanhã perderei tempo com o Mendes de León, é o perfeito académico, dos que vive no seu mundo louco longe de qualquer realidade. Quando dá aulas, salta de matéria em matéria que nos deixa a todos apreensivos sobre o que se está a passar. Certamente na sua mente faz sentido. É pouco alto para holandês, podendo mesmo dizer-se que é um homem baixo, não é magro, mas também não é gordo. A indefinição resulta da sua barriga marcar posição, certamente também académica, mas o resto do corpo tem proporções normais. Em suma, é um barrigudo.

Meio ruivo, tem uns oculos redondos de massa e um enorme sorriso constante em parte forçado pelos dentes salientes. Contudo o seu olhar, é dos que nos interroga por dentro, semelhante ao dos Coutinhos mais idosos o que sempre tomei como uma infalível marca de inteligência. Olha com ar guloso para todo o tabaco que vê arder, o que revela nele um claro ex-fumador. Fiquei surpreendido ao ver que vivia sozinho, sempre imaginei que tivesse uma daquelas infatigáveis mulheres que acompanham este tipo de pessoas, tomando conta deles, metaforicamente apertando os sapatos que eles se esquecem de apertar. Se calhar é viuvo, ou entao uma lição de que o génio não garante que a pessoa ao nosso lado não nos deixe quando se farta da nossa loucura, Ou quando a paciencia se esgota.

A Lauren foi a primeira a sair, foi ter com o namorado, ela diz, para ir à opera. Depois a Kinga e o Kabeza. Cerca de uma hora depois saí também, o Imoh veio comigo, voltámos a Leiden fazendo um belo caminho até à Centraal. Foi bom recordar Amsterdão, quando tiver tempo vou lá aos fins-de-semana. Pelo caminho jurei ver a Lauren perto da Rembrantplatz, mas pode ter sido impressão minha.

Por hoje, não vos aborreço mais. De qualquer forma, nunca conseguiria transmitir a sensação que é, aos 26, embarcar numa visita de estudo com o Professor. É como vestir um fato de escuteiro de uma criança de 12 anos. Não basta ser ridiculo, pura e simplesmente não nos serve.

Friday, September 22, 2006

Ultrapassada a semana (claramente pela direita),

banda sonora: Nick Drake - Place to be

Chegada a sexta-feira, mais uma casa vista, mais uma casa totalmente rejeitada. Que pensar de toda a suspeita criada nesta....huuuummm...não quereria ser esquisito e de facto, barata era, mas era facil compreender porque era barata. Quando encontramos um rés-do-chão, com grande vitrine, balcão ao pé do vidro e uma casa de banha luxuosa com jacuzzi no bairro de porto de Leiden, se se pode chamar bairro de porto, pensei realmente se sentar-me à noite à janela em roupa interior com uma luz flurescente sob o meu veludo e sensual (bom, pelo menos que é cheio de curvas ninguem pode, ou deve, duvidar) me pagaria a renda em poucas noites, o mais provavel é que iria preso por prostituição sem recibo em troca.
Eu sei, a banda sonora não aponta bem para isto, mas isso é porque o quarto foi à tarde e agora é...bom, agora é hora holandesa de jantar, as aulas estão despachadas e amanhã é sabado, um perigoso-sem-nada-para-fazer sábado. Talvez vá ao Reijks em Amsterdão, fica a dez minutos de Leiden, Amsterdão, e nunca fui ao Reijks... mas estará a chover? Em que estado acordarei depois de uma sexta-feira em Leiden? Ontem tive um dos maiores aborrecimentos desde que ca estou, um dia de merda e um holandes que nao apareceu para me mostrar uma casa para depois ao fim do dia beber uma cerveja, a qual já sei pedir como bom holandes, so nao sei na verdade escrever, mas bom...o que importa é pedir, com uma alema aborrecida e atada a contar-me o excitante que é passar 4 meses em Leiden...dassssss...se Leiden é algo, excitante está longe de ser a primeira palavra que me surge na cabeça. Em que momento em que deixei de prestar atenção a todo o tipo de pessoas? Antes nao era assim, quando terei perdido a total capacidade de perdoar a todos a pessoa que são, de me dar ao trabalho de escavar a beleza de dentro de cada um? Hoje, espero a ver se a vejo, não deixo de olhar, mas certamente perdi a paciência de prescrutar a pessoa em busca do bonito, do "bom", será que o Nick Drake o fazia? Será que Nick Drake o fazia sempre? (claro que nao, estou a falar de um maniaco depressivo na fase final da carreira, obviamente há muito que ele tinha desistido do lado bom da humanidade). Bom, de qualquer forma, tive dias exactamente como o pink moon, curtos, atirados e simples, da simplicidade que me tem entretido os dias, a de me sentar, à porta de casa, sentado na borda do canal,a ver o cisne nadar. O mesmo cisne, todos os dias, passeia pela frente da casa, do outro lado do canal, pacatos Holandeses sentados na varanda quando nao chove jantam calmamente, do primeiro andar, alguem me diz adeus, é a rapariga que vive no predio onde estou "infiltrado", esta na cozinha do namorado a ajudar ao jantar. Ele vive mesmo do outro lado. Acho que começo a conhecer todos os carros e gatos em Leiden. Sim, não deve haver muito mais, há um mini laranja, um carocha dos novos verde-lima, um mercedes azu escuro e um verde, um mazerati antigo, esse costuma estar estacionado ao pé da faculdade de direito e uma bicicleta sem travoes. Ontem declarei-me uma ameaça à sociedade, dei por mim a conduzir em sentido contrário, sem travoes, e pouco hábil na arte da bicicleta.
É, quando faz sol e os holandeses levam a sua vida à rua, o que não acontece muito por estes lados, todos eles trazem consigo as suas manias, as suas bicicletas e flores importadas do Quénia, e nas ruas com pequenos canais onde todos saboreiam a pacatez como nenhum latino faz, é Pink Drake que se ouve de banda sonora, mas não sou eu que canto que Leiden é um "Place to be", eles é que o cantam.
O que quero mesmo dizer, acho, é que esta gente não se odeia, porque é que nós temos de nos odiar em Lisboa? Porque a falta de segurança? Os fantasmas que se atirem para dentro do armário, podem lá ficar, desde que nunca saiam...

Wednesday, September 20, 2006

Banda Sonora,

esqueci-me de banda sonora para os mais recentes posts, mas compenso agora...

Leonard Cohen - I left a woman waiting
“Antropolosofia”

Ontem. Ontem fui a uma festa, uma festa de Antropólogos. Todos mais ou menos iguais, todos holandeses e uns belgas, aproveitei para ir beber uma cerveja calmamente e observar o “animal” em questão.

Assim, este latino disfarçado (ma non troppo disfarçado na verdade, ou pelo menos não disfarçado de antropólogo holandês), sentou-se a um canto, meteu conversa, falou com um par de pessoas e subitamente, sentou-se na minha mesa a Miss antropóloga do dia, saiba-se, a razão da festa, uma rapariga que tinha acabado de se formar, acabado nessa mesma tarde de defender a sua tese, a qual, para super-super novidade, versava sobre os horrores da castração feminina no Mali.

Ok, certo, também não gostava de ser uma mulher castrada no Mali (foda-se, pensando bem, não gostaria de ser mulher e muito menos mulher no Mali, devo dizer como ser uma mulher castrada no Mali não está no topo dos meus desejos? Pior só ser uma mulher à espera de ser castrada no Mali).

Bom, mas passando isso, fico sempre com a mesma duvida. Nunca vi um movimento de homens do Mali, nas ruas das capitais europeias defendendo a castração das mulheres europeias, com que legitimidade é que nós podemos ir até lá tentar obrigá-los a parar de castrar as suas mulheres? Vejamos, podemos achar que temos um superior conhecimento cientifico que tal coisa não se faz, mas certamente não o fazem por razões medicinais, mas sim culturais. Porque é que temos de achar que temos o direito de os fazer parar porque a nossa cultura não o permite? Não me venham falar em direitos humanos internacionais dignos de toda a cultura humana. Sejamos honestos, esses são os valores que nossa cultura ocidental descendente da dita cultura clássica toma por universais, mas alguem ja perguntou aos outros astros se concordam? A verdade, é que o universo é muito grande e eu suspeito que nós nem no continente mesmo abaixo do nosso perguntámos. A questão é, não será altura de relativizarmos um pouco a nossa mentalidade? Deixar de impor aos outros as nossas crenças? Quem somos nós? Os filhos preferidos de Deus, obviamente, nunca deixámos de ser dentro das nossas cabeças para reinar a hipocrisia da forma que o fazemos.

Por outro lado, devemos apenas cruzar os braços e não fazer nada? Já acreditei mais nisso, sempre foi para mim a conclusão lógica da não existência de valores universais e a relativização dos meus próprios que a resposta seria ser tolerante com os valores dos outros. Mas tal é o caminho da tolerância?

Hoje, já encontro uma acção possivel na tolerancia, é sentar à mesa e falar, não tentar convencer, apenas falar, conversar com aqueles que não acreditam no mesmo do que nós, é, do ponto de vista tolerante, trocar impressões e, após um processo interno de assimilação da realidade de opinião de terceiros com que contactamos, descobrir de que forma o inerente enriquecimento de ouvir outros pode contribuir para o nosso próprio enriquecimento. No fundo, não digo aquilo que todos nós não sabiamos já antes, que ser tolerância não é simplesmente permitir que os outros hajam como eles crêem correcto, mas sim observar no comportamento dos outros a razão de ser diferente e o direito que lhes assiste.

O que, levado para a realidade das mulheres castradas do Mali significa tão e só isso, sentar à mesa e compreender, sentar à mesa e falar, sentar à mesa e nunca, nunca doutrinar. Abandonar a pose destas modernas pseudo-lutadoras pelos direitos humanos ditos “universais” que mais se assemelham a poses de fanáticos jesuitas insuportáveis e sentar à mesa...ouvindo e aprender.

Se ninguém se senta à mesa, tant pis...