Wednesday, September 20, 2006

“Antropolosofia”

Ontem. Ontem fui a uma festa, uma festa de Antropólogos. Todos mais ou menos iguais, todos holandeses e uns belgas, aproveitei para ir beber uma cerveja calmamente e observar o “animal” em questão.

Assim, este latino disfarçado (ma non troppo disfarçado na verdade, ou pelo menos não disfarçado de antropólogo holandês), sentou-se a um canto, meteu conversa, falou com um par de pessoas e subitamente, sentou-se na minha mesa a Miss antropóloga do dia, saiba-se, a razão da festa, uma rapariga que tinha acabado de se formar, acabado nessa mesma tarde de defender a sua tese, a qual, para super-super novidade, versava sobre os horrores da castração feminina no Mali.

Ok, certo, também não gostava de ser uma mulher castrada no Mali (foda-se, pensando bem, não gostaria de ser mulher e muito menos mulher no Mali, devo dizer como ser uma mulher castrada no Mali não está no topo dos meus desejos? Pior só ser uma mulher à espera de ser castrada no Mali).

Bom, mas passando isso, fico sempre com a mesma duvida. Nunca vi um movimento de homens do Mali, nas ruas das capitais europeias defendendo a castração das mulheres europeias, com que legitimidade é que nós podemos ir até lá tentar obrigá-los a parar de castrar as suas mulheres? Vejamos, podemos achar que temos um superior conhecimento cientifico que tal coisa não se faz, mas certamente não o fazem por razões medicinais, mas sim culturais. Porque é que temos de achar que temos o direito de os fazer parar porque a nossa cultura não o permite? Não me venham falar em direitos humanos internacionais dignos de toda a cultura humana. Sejamos honestos, esses são os valores que nossa cultura ocidental descendente da dita cultura clássica toma por universais, mas alguem ja perguntou aos outros astros se concordam? A verdade, é que o universo é muito grande e eu suspeito que nós nem no continente mesmo abaixo do nosso perguntámos. A questão é, não será altura de relativizarmos um pouco a nossa mentalidade? Deixar de impor aos outros as nossas crenças? Quem somos nós? Os filhos preferidos de Deus, obviamente, nunca deixámos de ser dentro das nossas cabeças para reinar a hipocrisia da forma que o fazemos.

Por outro lado, devemos apenas cruzar os braços e não fazer nada? Já acreditei mais nisso, sempre foi para mim a conclusão lógica da não existência de valores universais e a relativização dos meus próprios que a resposta seria ser tolerante com os valores dos outros. Mas tal é o caminho da tolerância?

Hoje, já encontro uma acção possivel na tolerancia, é sentar à mesa e falar, não tentar convencer, apenas falar, conversar com aqueles que não acreditam no mesmo do que nós, é, do ponto de vista tolerante, trocar impressões e, após um processo interno de assimilação da realidade de opinião de terceiros com que contactamos, descobrir de que forma o inerente enriquecimento de ouvir outros pode contribuir para o nosso próprio enriquecimento. No fundo, não digo aquilo que todos nós não sabiamos já antes, que ser tolerância não é simplesmente permitir que os outros hajam como eles crêem correcto, mas sim observar no comportamento dos outros a razão de ser diferente e o direito que lhes assiste.

O que, levado para a realidade das mulheres castradas do Mali significa tão e só isso, sentar à mesa e compreender, sentar à mesa e falar, sentar à mesa e nunca, nunca doutrinar. Abandonar a pose destas modernas pseudo-lutadoras pelos direitos humanos ditos “universais” que mais se assemelham a poses de fanáticos jesuitas insuportáveis e sentar à mesa...ouvindo e aprender.

Se ninguém se senta à mesa, tant pis...

1 comment:

Trendy Jorge said...

Desculpa lá, meu caro, estava a seguir o raciocínio e, concomitantemente, com ele concordando, quando já no final me perdeste. Os jesuítas não são fanáticos. Eu sendo menino de colégio jesuíta poderei melhor que ninguém atestá-lo.
Ficarias surpreendido com o grau de entendimento que terias, tu filho de uma educação de esquerda lá para os lados do Campo Grande, com um jesuíta.
Foram evangelizadores, é certo, mas isso não pode ser confundido com imposição de ideias, mas mais com a tal troca de impressões que, no fim, poderá levar à "evangelização", auto-motivada e nunca imposta. O tempo das alheiras a fingir ser carne de porco já foram há muito.
Se calhar os maiores (e piores) arautos dessa doutrina tabilan são os meninos de esquerda que fazem parte do Bloco e têm saudades do Dr. Soares (tu exclusive).

Um grande abraço e boa sorte.

Vai escrevendo.