Tuesday, October 10, 2006

Mr. Imoh

Primal Scream - Don’t fight it, feel it

Chegou a hora, a hora de falar dele, o grande Imoh. Desde que esteve em Paris na altura da festa de Leiden que não o tenho visto muito, mas hoje as coisas vão mudar. Desde a semana do malfadado homicídio que tem andado distante, não o tenho visto muito. Depois, na semana seguinte, foi para Paris. Agora, está de volta e hoje vou aproveitar para correr alguns bares de Leiden na companhia dele. (Talvez entre as oito da noite e a meia noite, claro. Depois disso já é tarde em Leiden para se fazer o que quer que seja.)

Encontrei-o em casa dele, toquei à campainha e ele abriu-me a porta, chovia torrencialmente como nos ultimos dias e eu estava um pouco menos que totalmente ensopado. A minha bicicleta tem a embraiagem sempre posta, o que traduzido na lingua da minha bicicleta significa que quando esta está molhada, do selim às correntes, muitas vezes me encontro a pedalar em falso pois a corrente salta de mudança em mudança fazendo-me um ainda mais perigoso condutor do que já sou. Parei-a, chamei-a de “porca miserável, ninguém te consegue montar quando estás molhada”, imaginei-a a responder, não algo definido mas algo no sentido de me chamar a mim porco pelas tristes alusões que faço à sexualidade dela, como se ela não fosse só minha, como se outros a montassem. Claramente Leiden está-me a dar cabo dos nervos. Voltei a colocar-lhe a corrente, o cinto de castidade de três euros que comprei para mais ninguém a montar, e fui a pé até casa do Imoh. Ele não me pareceu, de todo, feliz por me ver. Quando entrei em sua casa ele não estava sozinho, o Mendes de León, o Scott e o Jason estavam com ele.

Ainda não entendi, admito que ainda não percebi o que se passa com esta gente, até que ponto lhes interessa ajudarem e empurrar o nosso destino como pequenos doutores do direito aéreo, se é esse o seu interesse, se nos querem conhecer, porque tudo isto é feito de conhecimentos de amizades de palmadas nas costas uns dos outros, tudo um companheirismo que me parece constantemente desusado e interessado. Que tipo de amizade encerram estas pessoas, que faz um homem como o Mendes de León em casa do Imoh com o Scott e o Jason? Que forma de aproveitar o tempo melhor que esta ele NÃO tem? Para estar sentado em casa do Imoh, copo de vinho na mão, a discutir uma palestra em Sevilha no próximo mês de Maio?

Após uma rápida passagem pela casa-de-banho para me secar, sentei-me no canto da sala oposto ao Mendes de León, ele pouco tem de parecido com o Haanappel, enquanto que o Haanappel era um académico por excelencia, um homem talvez um pouco excentrico mas claramente com a cabeça noutro local do mundo, o Mendes de León em nada me parece um académico, dá as suas aulas com menor eloquências que as (poucas) aulas que assisti do Haanappel, erra por vezes, e adora trazer convidados às suas palestras. Gosta igualmente de ver apresentações por parte dos alunos o que sempre me pareceu como a pior forma de ensinar o que quer que seja. Não decididamente, este homem alto que se encontra sentado de perna cruzada com um copo de vinho na mão, magro e com a canela acima da meia à mostra, não é um professor e não é meu amigo. Não gosto dele, tenho de fazer o juízo agora que o vejo sem óculos numa pose que tenta disfarçar tranquilidade num ambiente que obviamente não é o dele.
Meio sóbrio, para não dizer completamente bebado. Foi-se embora, deixando o copo a meio poucos minutos depois de eu chegar, talvez um quarto de hora, um quarto de hora em que a conversa mudou verticalmente da compra da Aer Lingus pela Rianair para o Tennis, a derrota da Holanda na Taça Davis, a prática de golfe pelo Scott quando era mais novo e o gosto tipicamente masculino pela horrivel musica de camara que o Imoh tinha deixado a tocar, provavelmente tanto impressionar o Mendes de León, o Pablo. “friends don’t waste wine when there are words to sell”, lembrei-me eu quando vi que nem terminou o copo. De resto fingi-me indiferente ao facto da minha chegada ter sido uma alteração do planeado e deixei-me ficar com o Imoh, lá fora chuvia e de qualquer forma tinhamos combinado ir beber uma cerveja ao “Odessa”.

Saímos enquanto o telefone do Imoh tocava, o Imoh tem o telefone constantemente a tocar, normalmente raparigas, às vezes a sua namorada. Como disse, ele esteve em Paris e esta foi a primeira oportunidade que tive de falar com ele. O Imoh lembra-me o “Mr. Eko” do “Lost”. Nigeriano, cristão, é um homem de fisico enorme, que impressiona quando entra na sala, ou em qualquer sala em qualquer lugar do mundo. Tem um riso que alastra e normalmente está sorridente. Ao contrário do Mr. Eko, usa óculos e presume que a sua vida na Nigéria seja mais licita que a do Eko era. Presumo disse, não garanto que assim seja. Tem um olhar algo ganancioso e presume-se sempre pronto a entrar num negócio que lhe dê dinheiro. Tem uma clara avidez profissional que mostra descuidadamente. Por outras palavras, fala demais e sempre o oiço cum grano salis.

Fomos até ao Einstein, por lá apareceu a Agnes e uma amiga dela holandesa qualquer. A Agnes é uma rapariga de origem polaca que tem dormido com o Imoh, algo que ele enfrenta com a naturalidade Africana que de certa forma nos habituamos a conhecer quando lidamos com pessoas de cultura Africana e o seu desleixo pela vida a dois com o parceiro, a sempre disponibilidade para celebrar mais uma conquista amorosa, etc, etc, etc...

Depois de umas cervejas de novo ele tenta catolicizar-me, vive obcecado com o facto de eu não acreditar em Deus, no Deus dele ou em qualquer Deus. Acha que com os anos mudarei de opinião, o que até pode ser. A Agnes entra na conversa, tal como a amiga Holandesa, é bonito ver que ao menos consegui juntar dois católicos apostólicos Romanos e uma protestante do mesmo lado da barreira aquela que tenta argumentos vazios contra o Francisco e o tenta, em toque mágico, catolicizar.

Será inerente à educação cristã? Parece-me que sim, de alguma forma aqueles que cumprem uma formação cristã, seja na Holanda, Polónia ou Nigéria, levam como pequeno extra aquele chip que tenta introduzir a fé nos outros. Convence o próximo, salva-o da eterna condenação, salva-o, sei lá do quê, do ponto em que ele está agora, da vida a que se está a condenar. Da pós-vida sem luz, pois Deus vai querer que ele preste contas da sua falta de fé, ele vai-se arrender o pobre Francisco e todos os outros, mais vale que sintam o arrependimento agora, que se salvem, que se permitam a felicidade que nós sentimos. Mas nada disto serve, nada disto me convence, a minha avó com o inerente comportamento que denota uma qualquer herança judia (só pode, só pode) oferecia-me 500 escudos para ir à missa quando tinha uns oito anos. Aquele gesto, aquela nota, que uma vez aceitei, afastou-me completamente de todos os que me tentam convencer de algo. Aceitar aquela nota, não me vendeu, salvou-me, embora admita que na altura não fazia a mínima ideia que me estava a salvar e a comprar gelados (que grande negócio que aquele foi) a verdade é que me permitiu pensar, abriu-me a mente, que a minha fé tinha um preço, que assistir aquele teatro de gente que se levantava e sentava, sibilava em latim algo que eu não compreendia e repetia um texto decorado e que já na altura me assombrava como estava tão mal decorado por muitos dos que me rodeavam, o que para mim era de facto, uma peça de teatro algo mal ensaiada e que se repetia todas as semanas, até me parecia divertido, sem grande sentido mas contudo, sem sombra de duvida, divertido e que por isso não me custava nada assistir, era uma hora de domingo da qual não gostava muito de qualquer maneira e não a tinha ocupada nos meus oito anos, pois bem, esse suposto acto de ir à missa, e ouvir, e ainda receber quinhentos escudos, os quais aceitei porque tinha oito anos ou coisa assim, cresceram dentro de mim, tudo me pareceu errado, aquilo não fazia sentido repetir e excusado será dizer, nunca mais recebi quinhentos escudos, nunca mais me apeteceu ir a uma missa ou sequer entrar na igreja. Desde logo marquei uma fronteira quando aquele edificio, quanto ao sinuoso sorriso do padre de aldeia que me conhecia, desde cedo marquei a minha fronteira do outro lado. Senti-me abusado na minha consciencia, no meu não pensar, na minha confiança, havia confiado na minha avó, e que tinha ela feito? Sinuosamente tentado conquistar a minha alma e fé, e pior, não para ela, para a igreja, só para a igreja que compreende perfeitamente a sua idade, a sua viuvez e solidão no Porto, a igreja compreende perfeitamente que após a morte do meu avô ela se encontra vulnerável, então estende o seu enorme manto sobre ela, chama-lhe apoio, chama-lhe fé como inolvidável solução para as duvidas que nesse momento ela tem, e na verdade não é mais que um conquistar de uma alma, um amealhar de uma contribuição, a pequenina dízima que quanto maior for mais salva se encontra a alma, não temas a solidão, não temas, teme apenas a Deus e Deus tomará conta de todos os outros males, justifica tudo. Ora de repente estou em Leiden e sentado numa mesa com três pessoas que pensam que me podem convencer, ainda por cima fracos no seu convencimento, pouco esforçados, o que me faz rir por dentro, fazem lá eles ideia do que é viver numa cultura católica e resistir-lhe, quando o nosso sangue tenta, quem são eles para também o tentar? Os mesmos argumentos, repetidos e repetidos, como se pode aceitar uma criança que nasce com SIDA e explicá-lo? Como explicar que uma mulher penetrada por um homem dê lugar à vida nove meses depois? O que nunca ninguém me disse é porque é que um Deus, qualquer Deus, o explicar. Onde é que remeter assuntos aos designios de Deus, como se ele fosse um mero ministro com uma pasta sobre a qual ninguém deve perguntar, fosse solução, fosse a solução, nos fosse tranquilizar a alma ou a mente, ou o pensamento ou qualquer outra coisa que resulta da nossa irrequietude de pensamento, de duvidar, de ser Humano de questionar.
E assim voltei à realidade, e Imoh falava agora de outra coisa, de como ser cristão era importante também para pertencer à maçonaria, de como a maçonaria chegava a muito lado e eu enjoado, nao queria ouvir mais, mas estarei nas termas de Davos? Nesse momento não era Francisco, era Castorp, e ouvia tudo aquilo, de Deus à maçonaria, e quis ir-me embora, sair dali para fora, deixar aquela gente toda.

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