Wednesday, September 27, 2006

Visita de Estudo


Antes de mais, caso perguntem porque é que não tenho acrescentado nada ao meu Blog ultimamente, não tem nada a ver com a erva holandesa nem com a minha ida a Amsterdão este fim-de-semana, na verdade é porque mudei de quarto. Neste momento, estou no futuro quarto da Line, com uma cama, metade das paredes pintadas, e duas maravilhosas janelas sobre o canal que compensam tudo menos, a falta de ligação à Internet.

Neste Domingo à noite, convem explicar já que a data de entrada da informação no blog será...quando calhar, olho para o fim-de-semana que passou com alguma frustração. Ainda assim posso dizer que imensa coisa aconteceu. Ontem fui a Schiphol buscar o meu bilhete para Copenhaga. Para a semana, sim, vou a Copenhaga. Além disso comprei um cadeado para a minha bicicleta, é certamente o cadeado mais ridiculo que alguma vez vi, mas a verdade é que cumpre os seus dois objectivos, fingir que a bicicleta está, de alguma forma segura, ou pelo menos não abandonada e assim não ser um convite ao mergulho no canal e, por outro lado, conseguir ser mais barato que uma bicicleta de cinco euros. No total, bicicleta mais cadeado, ficaram por oito euros. Inacreditável, perante este preço, quem pode levar em conta pequenos detalhes como os travões não funcionarem, ser ferrugenta, ou qualquer outra miseravel indefinição da sua existência como uma bicicleta?

Bom, de qualquer forma, o prato do dia foi certamente o meu domingo. Visita de estudo! Sim, verdade, tive uma visita de estudo (e amanhã terei outra, mas cada coisa a seu tempo...) e foi algo de grotesco. Decidi entretanto que vou relatar tranquilamente os meus colegas de turma, cada um deles é um diamante em bruto enquanto ser humano, e todos juntos, somos o que se pode realmente chamar “a fucked up bunch”!

Anyway, eis o que se passou neste maravilhoso domingo. Encontramo-nos na estação de Comboios por volta da uma da tarde. Aproveitei para acordar com calma, ir até ao centro, comi qualquer coisa e depois juntei-me à deliciosa troupe com que partilho a paixão pela aviação. Quando cheguei, tudo estava como já esperava, a simpatica Judith, coordenadora do programa já lá estava, juntamente com a exotica Hungara Kinga, e o introvertido Inglês Londrino, Scott. O par habitual do Scott, um americano chamado Jason não apareceu. O grande e poderoso Imoh, um Nigeriano cristão que me recorda constantemente o Eko do “Lost” ligou-me a dizer que estava atrasado e perguntou se lhe podia ir comprando o bilhete. Dito e feito, no meu regresso a ex-militar Sara já tinha aparecido, a Jackie, sua irritante amiga da Republica Democrática da China também faltou ao contrário do Kosovar Enis que havia chegado, de facto e com um ar deprimido, claramente o Enis encontra-se no ramadão. Pouco depois chegaram os mais atrasados, a Kathleen, alemã desportiva e a Rita, a minha colega Portuguesa da Ana Aeroportos de quem não muito falarei pois ela certamente pode ler este blog. Além de que, honestamente, ela é dos poucos daquela turma que não merece ser vitima do meu habitual tom cáustico de descrição das coisas (ainda que escrito nunca seja tao mau como falado). A Lauren, escocesa em fase pós adolescente, delegada de turma não sei de acordo com que espirito masoquista também já lá estava.

Todos juntos, lá fomos nós para o comboio em direcção a Amsterdão, sentamo-nos todos mais ou menos ao calhas, sendo que fiquei ao lado da Judith e com o Imoh, à minha frente. Ao lado dele ficou o “gaijo” do Rwanda, que eu não sei bem como se chama, Kabeza, ou coisa assim (ele nunca sabe bem onde está, nem por onde anda, mas vem sempre... já por uma vez ou outra notei nele instintos assassinos). Ao nosso lado, dois pacatos holandeses olhavam entretidos para a Rita e para a Kathleen. O tema de conversa, o facto de que terça feira temos um jantar, onde cada um deve levar algo cozinhado, tipico do seu país. Hhuuuummmm...qualquer pessoa que saiba como eu sou a cozinhar imediatamente teme pela vida. Mas esta gente parece ser capaz de enfrentar qualquer coisa.

Chegados a Amsterdão, começamos a notar todo o ridiculo da coisa. Um grupo estranho, todo junto, mais parecia que seguiamos em conjunto o guia turistico, só faltava o guarda-chuva e em busca da saída. A nossa missão, ver uma exposição de design industrial de aviões. MAS QUEM FOI O SÁDICO QUE SE LEMBROU DE NOS METER A TODOS NUMA EXPOSIÇÃO DE DESIGN DE AVIÕES? Lá estava ele, à porta da estação à nossa espera, o Prof. Happelman.

O Professor Happelman é um daqueles académicos que vive noutro mundo. Simpático, olha-nos com um ar perigoso por detrás das suas enormes lentes redondas. O que ele está a pensar, escapa-me totalmente mas é de certa forma desagradável. Percebi o genero quando a primeira aula foi adiada duas horas porque ele tinha perdido a carteira. Presumo que já a tenha encontrado no bolso de trás das calças onde sempre esteve. O ultimo do grupo, o solícito Robert, unico aluno Holandes da turma, juntou-se igualmente, e apenas, em Amsterdão.

Depois de duas horas em profunda admiração do desenvolvimento do design dos tabuleiros de comida nos vários DC’s, Caravelle’s, Boeings e Concordes, podemos finalmente abandonar aquele horror. Ainda fomos tomar café e finalmente, o Prof. Happelman convidou-nos a todos a ir a sua casa tomar uma bebida e conversar um pouco. Daqueles convites que não se podem recusar, daqueles convites que todos queremos recusar. O tipo de actividade social que apenas duas pessoas no mundo verdadeiramente adoram, o Pedro Alves e o meu pai. Instalados na sua confortável casa, compreendemos que ele vive sozinho, com um enorme canal à frente da sua casa e alguem lá levou comida para todos, incluindo o Enis que se limitou a sentar numa almofada à espera que anoitecesse para poder comer qualquer coisa.

De longe, o momento mais horrivel foi quando o Robert, sempre atencioso na forma hitleriana que os holandeses conseguem ser atenciosos, disse ao Enia para ir buscar um prato de comida, se servir e dessa forma garantir que algo sobrasse quando fosse noite, senão correria o risco de não haver nada quando, finalmente, lhe fosse permitido comer.

Eu disse que descreveria eventualmente todos os meus colegas mas, sendo Leiden o aborrecimento que é, penso que poderei igualmente descrever os professores.

O Professor Happelman, amanhã perderei tempo com o Mendes de León, é o perfeito académico, dos que vive no seu mundo louco longe de qualquer realidade. Quando dá aulas, salta de matéria em matéria que nos deixa a todos apreensivos sobre o que se está a passar. Certamente na sua mente faz sentido. É pouco alto para holandês, podendo mesmo dizer-se que é um homem baixo, não é magro, mas também não é gordo. A indefinição resulta da sua barriga marcar posição, certamente também académica, mas o resto do corpo tem proporções normais. Em suma, é um barrigudo.

Meio ruivo, tem uns oculos redondos de massa e um enorme sorriso constante em parte forçado pelos dentes salientes. Contudo o seu olhar, é dos que nos interroga por dentro, semelhante ao dos Coutinhos mais idosos o que sempre tomei como uma infalível marca de inteligência. Olha com ar guloso para todo o tabaco que vê arder, o que revela nele um claro ex-fumador. Fiquei surpreendido ao ver que vivia sozinho, sempre imaginei que tivesse uma daquelas infatigáveis mulheres que acompanham este tipo de pessoas, tomando conta deles, metaforicamente apertando os sapatos que eles se esquecem de apertar. Se calhar é viuvo, ou entao uma lição de que o génio não garante que a pessoa ao nosso lado não nos deixe quando se farta da nossa loucura, Ou quando a paciencia se esgota.

A Lauren foi a primeira a sair, foi ter com o namorado, ela diz, para ir à opera. Depois a Kinga e o Kabeza. Cerca de uma hora depois saí também, o Imoh veio comigo, voltámos a Leiden fazendo um belo caminho até à Centraal. Foi bom recordar Amsterdão, quando tiver tempo vou lá aos fins-de-semana. Pelo caminho jurei ver a Lauren perto da Rembrantplatz, mas pode ter sido impressão minha.

Por hoje, não vos aborreço mais. De qualquer forma, nunca conseguiria transmitir a sensação que é, aos 26, embarcar numa visita de estudo com o Professor. É como vestir um fato de escuteiro de uma criança de 12 anos. Não basta ser ridiculo, pura e simplesmente não nos serve.

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