Tuesday, October 31, 2006


A dormideira




banda sonora: Chemical Brothers - Star Guitar
"...you should feel what I'm feeling, you should take what I'm taking..."

Numa semana passada na biblioteca, há momentos em que Leiden é uma simpática terra, com convidativos canais onde, CHUVE QUE SE FARTA!!!!! ...e somos obrigados a ficar em casa a ver a chuva cair e a olhar pela janela... ver as gotas de água que por ela descem e vaguear em pensamentos.

Recordar comboios a alta velocidade com chuva lá fora, atravessar campos e prados verdes em sitio estranhos da Europa. Pensar na roupa humida na mochila que não teve tempo para secar e o cheiro que dela emana, altura de tentar não pensar nisso nem no facto de não haver comida,

tal como em Interrail, há alturas em Leiden que me lembram o Carapinha: "anda lá Carapinha... é a dormideira!" E ele sorria de volta, e todos sorriamos juntos.

Saturday, October 28, 2006

A confusão

banda sonora: The Kooks - you don't love me or Interpol - Obstacle 1

Finalmente! Estou ocupado! Tenho coisas para fazer. Subitamente, todos os prazos aparecem. Tenho uma apresentação para fazer para dia 6 de Novembro. O tema: Diferenças entre a Transportadora Aérea Contratada e a Transportadora Aérea executante à luz do Sistema de Varsóvia/Montreal. Sei que para vocês pode não parecer excitante, pois... não fui eu que escolhi. É daqueles temas chatos que obriga a analisar todos os capitulos da convenção. Em busca de quatro linhas em casa um, chamo a estes temas, temas "verticais" que obriga a um trabalho de pesquisa terrivel.
Depois, também para dia 6 de Novembro, tenho de apresentar uma proposta negocial para a renegociação do bilateral de transporte aéreo entre a UE e os US, este para fazer em grupo, o que significa horas de discussao interna, reformulações, organizações de táctica de negociação, etc... na mesma semana em que mudo de casa e, portanto, não vou ter internet durante alguns dias. Que genialidade. Tudo somado, de repente o tempo que tenho em Leiden é curto, ainda bem que isto é uma aldeia, claro que antes...porque um Português não faz nunca hoje o que pode fazer amanhã, vou levar todos estes enormes problemas comigo para uma festa onde a cerveja custa 70 centimos. Tem de ser... tem de ser...
Entretanto, so para esclarecer, o Anes é um "apeshit" a "real old apeshit", que não está inscrito num qualquer tratamento de ajuda a ex-combatentes (onde devia), mas sim a partilhar uma sala comigo. The silent one is always the one who can crack... e como tal um claro suspeito da morte do Haanappel.
eu falei na cerveja a setenta cêntimos? Falei não falei, pois bem... fui!

Thursday, October 26, 2006


The strangest thing...

Banda sonora – Tricky – strugglin’

Que dia, mas que dia... passado na faculdade, uma investigação para a EAA que queria fazer há cerca de umas semanas. Aviso o leitor, encontro-me neste momento sentado com uma garrafa de vinho praticamente vazia ao meu lado. Nobody but me, has been talking to the bottle.

Encontrei o Kosovar. Ine’s ou Ane’s, baralho o nome dele, admito, é um homem estranho embora sinta que já tenho encontrado bastantes pessoas de países fechados na vida para compreender que ele não tem nada de estranho, apenas uma mentalidade própria. Um kosovar? É um romeno without all the luxury. Perguntei como que casualmente o que é que ele achava das holandesas. Nada me surpreendeu na sua resposta, vira louco com elas. Claro, (boa sorte em encontrar uma que queira ir contigo para o Kosovo parir sete crianças...).

De qualquer forma fomos tomar um café no bar da faculdade, um pequeno bar dentro do edificio da faculdade onde se acham muito radicais porque eventualmente uma pessoa pode comprar uma cerveja lá. Enfim, a charada Holandesa continua. Subitamente, pergunto-lhe como era a vida dele no Kosovo. Interessa-me saber, interessa-me saber como se vive actualmente no Kosovo e interessa-me saber como era a vida deste gajo que aqui veio parar. O que se passa nele, que pessoa será. Se existe um assassino entre nós, como será ele? Poderá ser este?

Ironicamente, as grandes revelações que recebi na minha vida, foram sempre entregues em tom pausado. Quando as pessoas fazem uma grande cena da sua noticia, não costuma ser uma grande noticia. Geralmente, são pessoas a quem nada acontece de extraordinário que costumam ter a prepotência de se sentir importante, certamente o são, mas apenas no seu pequeno mundo. Para a generalidade, quem conta com grande alarme as suas novidades, o seu cão mais esperto que todos os outros, os seus problemas maiores que todos os outros, não há na verdade grandes noticias a contar. O Anes é diferente, e foi calmamente, com as suas grandes mãos em cima da mesa e o volume baixo da sua voz a embalar o café que se encontrava à sua frente, que, do nada, ele me decidiu contar a sua vida no Kosovo. Bom, do nada não, porque eu perguntei, mas nada me preparava para ouvir o Anes, grande, a falar para dentro, tímido até, a contar aquilo que ele me contou. Como no ramadão não come durante o dia, como se senta sempre em almofadas. Que é normal no Kosovo uma pessoa descalçar-se quando entra em casa de alguém pois as estradas são enlameadas e, sobre o que fazia antes, como “queimou” a trabalhar para as nações unidas. Contou-me que trabalhava na investigação de crimes que podiam ser violações de direitos humanos. Foi aí que conheceu o Hannappel e, farto do mesmo, aceitou o convite deste para se juntar a nós em Leiden. Ele é um convidado especial de Leiden e do governo Holandês. “eeeehhh...a big step since the UÇK”.

Nesse momento vibrei, como se as minhas orelhas se pudessem erguer perante um som que me chama a atenção quis saber mais, quis saber tudo, o Anes tinha pertencido à Frente de Libertação do Kosovo, considerados por uns como terroristas, por outros como salvadores e sem nunca se livrar do titulo de assassinos de sérvios e albaneses, quis saber, queria naquele momento saber tudo, naquele pequeno café da faculdade de direito, onde toca Cesária Évora e, para grande surpresa e avanço das populações locais, é possivel comprar alcool. Poucos holandeses sentados nas mesas às nossas voltas, e o Anes decide-se a contar algo. Pouco, muito pouco, mas a bençâo de saber, em primeira mão, o que é pertencer à Frente de Libertação do Kosovo e hoje estar em Leiden, é de agradecer, seja a que titulo.

Segundo ele me contou, increveu-se na Frente de Libertação do Kosovo contra a vontade dos seus irmãos. No total eles são seis, quatro rapazes e duas raparigas. Na altura, 1996 a FLK começava a crescer e a fazer-se notar. Foi a altura de fazer alguma coisa. Os primeiros treinos militares, (conduzidos por alemães!!!!), conhecer Haradin Bala e fazer parte de uma das sete zonas de comando militar da FLK, para no fim participar na guerra civil e ver as FLK serem desmembradas. Na altura então, aparece a proposta, integração nas nações unidas enquanto a maior parte dos colegas formou a policia local. A transferência para Leiden, o convite para terminar nas aulas do Haannappel. Aparentemente enganei-me, sempre há alguém entre nós que não sabe o que é um “APU”.

Que pessoa especial, que vida diferente, só consigo imaginar do pouco que ele me disse, não quis falar muito, também nunca o faz e imagino que o tema o incomode. Mas ser recrutado. Levado para um campo de treino na Albania. Na altura as mãos ainda deviam tremer. Aprender a usar uma AK-47, ter quase medo do calor que exala de uma arma que dispara. Depois, lançado numa campanha. A caminhar em busca de um sérvio, o ataque a uma aldeia ou uma cidade. Ver veteranos ao lado, dos que fazem apostas de quanto tempo ele aguentaria, mas ele aguentou. Ver vitimas, ver gente morrer à sua volta, foda-se, matar pessoas. As duas mãos brutas que estão à minha frente, mataram pessoas. Quantas? Não faço ideia, será que ele sabe? Deve certamente lembrar-se da primeira, a primeira vida tirada com a sua AK-47, o selvagem ataque a uma vila, matar sérvios porque são...sérvios. Uma mulher desventrada ao lado, o cheiro de queimado e de morte, que horrivel deve ser o cheiro de morte, mas ele habitua-se, ele aprende. De repente, atirado de volta para perto de Junik devido à ofensiva sérvia, perder amigos na ofensiva sérvia, cada um a lutar por si, o panico de ver outros morrerem, puxar o braço de alguém que não se levanta e ter de o deixar lá. A reorganização, voltar à carga, agora é guerra civil, agora tudo vale mesmo o que antes já valia sem se admitir. Desta vez, quando desciam no território, ele já não era um recruta, ele era um soldado veterano, ele sabia o que se passava, sim, olho para ele e os seus olhos castanhos e tristes dizem-me que ele sabe o que se passou, ele já queria, ele aprendeu a gostar e a precisar da morte, do seu cheiro e da cor do sangue, do vermelho escuro. Desta vez, largaram-no praticamente sozinho, uma pequena unidade composta de SA-7’s e Stingers com o objectivo de proteger o espaço aéreo, mas o Anes podia ser deixado sozinho, ele agora já sabia o que tinha de fazer, nunca duvidava do tiro. Amava a frente, adorava a morte, ele não era mais um soldado das FLK, ele era um soldado da morte. Até tudo acabar, até a guerra ser terminada, o seu superior enfrenta acusações em Haia, ele é recolocado, de repente trabalha com as Nações Unidas, crimes de guerra, que irónico um homem que esteve na frente, que matou e aprendeu a gostar (para não dizer que era uma necessidade) de matar. Agora cabe-lhe a ele julgar. Tudo muda, o papel é diferente e a pressão insuportável. Como resistir? Fugindo, fugindo cada vez mais daquelas montanhas pelas quais vendeu a alma, um país para a familia, em troca de qualquer esperança de voltar a dormir descansado, sem aldeias a arder na mente, sem sentir o espesso vermelho do sangue na mão. Num salto, Leiden e a pacatez de uma aldeia holandesa. A morte de Hannappel, que diferença poderá fazer para ele? Agora tranquilamente acaba o café, voltamos para as nossas vidas e para o silencio sepulcral da biblioteca. O Anes senta-se ao lado de uma rapariga loira roliça.

Que dia que tive, mudo aqui a banda sonora, uma garrafa que termina, chove lá fora, e escolho para ouvir...
Miles Davis – Flamenco Sketches (Alternate Take)

Monday, October 23, 2006

"Vou-me a eles!"

banda sonora: dEUS - real sugar

Passei o fim-de-semana em Liege e Bruxelas, o que espero justificar a ausencia de detalhes. Caso se perguntem, sim, tenho andado a evitar Leiden ao máximo. Leiden, palavra que em alemão significa "doloroso" é um aldeia que tenho vivido até ao máximo sentido do seu significado germanico. Mas agora, baterias recarregadas, encontro-me pronto para a enfrentar. Vou mudar de atitude, anuncio, publicamente (ou publico-restrictamente atendendo à publicidade que este blog tem) que vou deixar de me preocupar, de tentar compreender, vou simplesmente deixar o que me rodeia, seja qual for a força que guia tudo isto, aparecer e confrontar-se comigo, vou fazer frente ao dragão, por assim dizer, vou simplesmente começar, metodicamente, a juntar todas as peças deste puzzle pois estou cansado de nada entender. "Vou-me a eles!", só assim conseguirei viver em Leiden.

Thursday, October 19, 2006

Happy Hour at Odessa
banda sonora - Matt Elliott - What's wrong
Passei o dia de certa forma nervoso, que seria que o Imoh me queria contar? Que é que poderia ser tão importante que ele quisesse encontrar-se comigo para me falar tendo-me avisado assim que me viu, contudo não pudesse ser contado ali, na faculdade, onde todos estamos?

Em vez disso, combinámos no Odessa às dez da noite. O que fazer para o tempo passar? Inscrevi-me em aulas de Holandês, não que pretenda falar bem a língua, mas pelo menos perceber minimamente o que me rodeia, a começar nas prateleiras de supermercado. Contudo, no meio de todos aqueles “jij’s”, “julliet’s” “verbonkt’s” e coisas parecidas, que oscilam entre o facil de aprender por lembrar o Inglês e um pouco o Alemão – do qual esqueci o pouco que conhecia, mas ainda vagamente reconheço a estrutura e forma no Holandês – e o dificil de entender o incompreensível, o frustrante e a vontade de desistir logo de ínicio, a secura da professora para quem deve ser um fastidio total ensinar o tão básico a pessoas adultas sem grande vontade de aprender, enfim, tudo isto se passava ao meu lado e eu via, algo assimilava, mas pensava em algo diferente, pensava no que poderia ter acontecido esta semana que tive fora que o Imoh me pretendesse contar,

No Odessa, chegado pouco depois da aula, encontrei o sitio quase vazio, o Imoh sentado numa mesa do fundo com a Agnes, a sempre presente Agnes, a gorda polaca Agnes que, apesar de ter bom coração, me choca com a sua simplicidade e pobreza geracional, o orgulho na sua pulseira que me mostra enquanto diz: “look, mexican silver, my parents brought it to me” e eu tento esconder o desdém que tenho pela sua simples pulseira tentando mostrar-me afável tendando enfim, esconder o aborrecimento que para mim é o seu encantamento com coisas triviais e burlescas. Recuso-me a viver um romance de Zola na minha vida real, e a Agnes, roliça, olhos gulosos, amante do Imoh, perfeitamente consciente que este tem a sua namorada na Nigéria e que ela não é mais que mastigável para ele, recorda-me tantas vezes a Naná, apenas mais “boazinha”.

Ele parece não querer falar, pelo menos não com a presença da Agnes, disse-me que esteve em Paris outra vez este fim-de-semana, este homem adora Paris, e no fundo, quer aguardar que comece a famosa “happy-hour on Monday’s at Odessa”, momento em que o bar subitamente enche, as canecas de cerveja aparecem de todo o lado e a enorme caça ao engate dos Erasmus se inicia, é um periodo de coutada sem limites de caça, cada um pode tentar o máximo de mulheres, ou homens porque elas também o praticam, e quando a noite vai correndo e o alcool as vai enchendo, mais facil tudo se torna. Para mim, sem desprimor, é uma seca. Caso exista alguma obrigação de homem latino de tentar o que quer que seja, eu falho tremendamente nisso, na verdade, aborreço-me nestas festas que considero, angustiantes. Velhas conversas de: “where you from? Ohhh, Lisbon, where is it? Portugal? Oh no, I know where it is… so you speak Spanish, right?. Um contingente inteiro de Americanas que não conseguem fazer uma frase sem utilizar 15 vezes a palavra “like”, tudo é “like” alguma outra coisa, mas nada é realmente como é, não sabem ser descritivos sem usar termos comparativos? É tãããããooooo cansativo, e eu estou claramente velho demais para alinhas nestes constantes jogos de engate, “men fighting for bones” e cerveja a rodos em todas as mesas. Subitamente, não sei de onde, tenho uma oriental que nunca vi na vida a chorar-me no braço pois descobriu que gosta do ex-namorado, eu nem sequer me preocupo em fingir que me importo, pois não me importo mesmo nada para além do facto de ela me incomodar, na verdade, eu só quero sair daqui para fora. Sair, sair, até o Imoh perceber e afastar-se comigo, agora sim, ele quer falar, a Agnes presente, pelos vistos, fazia diferença para ele, nem sequer um pouco respeito ela requer, até segredos e vida a sério ela permite que ele tenha com qualquer pessoa, até comigo. Ela sabe que eu sei, ela sabe que toda a gente sabe como o lugar dela está reduzido a um pequeno espaço no tempo dele, que a sua importancia não é universal, é relativa, como é que ela aguenta? A que mediocridade de vida se condena ela para que aceite isto?O Imoh conta-me, vai jantar a casa do Pablo, o Pablo quer falar com ele, quer discutir diz-me ele, a vontade e interesse dele na Maçonaria. Claro que eu não acredito muito no que ele me diz, nunca achei real que a Maçonaria fosse algo abertamente falada como ele fala e nunca pensei sequer, que uma das famosas secretas organizações que toda a gente conhece não evitasse, ou melhor, olhasse com reduzida importância a pessoas que abertamente falam que o querem ser, porque abertamente admitem que querem ser algo, que algo serve, seja o que seja. Nunca levei a sério o Imoh, mas então, que intenções terá o Pablo com ele? Que pretende aquele homem desta pessoa? Infelizmente a conversa
De volta a Leiden

Sim, de volta, para quem não sabe, estive em Lisboa durante uma semana, semana que deu para fazer várias coisas, nomeadamente:

be with those I love,
eat the fish I love,
sleep in the bed I love,
shit in the…errmm…estava mesmo a ver esta a vir, era desnecessário...

Bom, de qualquer modo, tive de ir a Lisboa fazer a oral da ordem e agora estou de volta, fui a uma aula de manhã e estive a ver tudo o que preciso recuperar devido a uma semana fora, não é nada grave, acho que no final da semana já terei tudo em dia. Por outro lado, passei na oral, o que me deixa a pensar realmente para que terei feito o exame, afinal, se deixam gajos como eu entrar na ordem, porque é que criam critérios de admissão de todo? Está mais que provado que qualquer um entra.

Por cá, além do frio desgraçado, tudo está mais ou menos na mesma, pelo menos não reparei em nada diferente (Leiden dá aquela sensação de que nada muda...) Na aula reparei que a Lauren estava bastante animada a falar com o Scott e o Imoh no final apenas me disse para me encontrar com ele no Odessa às dez, que ele tinha novidades para me contar, será algo relacionado com a vida dele? Será algo relacionado com as investigações? Descobrirei esta noite. De qualquer forma depois das aulas tomei café com o Robert antes deste voltar a Amsterdão e não me contou nada de especial, a Sara e a pequena Chinesa estavam, como sempre, sentadas juntas, o Jason nunca muito longe do Scott, os restantes embrenhados nas suas vidas. Enfim, o habitual em Leiden, admito que, acabado de chegar, estou longe de estar inspirado para vos contar o que quer que seja, mas estou curioso com as novidades do Imoh.

Finalmente, vou começar com as aulas de holandês.

Tuesday, October 10, 2006


Leiden's Top Friends:
banda sonora: I love you but I've chosen Darkness - The Ghost

1. Human Stain - Philip Roth
2. Candido - Voltaire (gentilmente oferecido pelo Eiró)
3. ...

Mr. Imoh

Primal Scream - Don’t fight it, feel it

Chegou a hora, a hora de falar dele, o grande Imoh. Desde que esteve em Paris na altura da festa de Leiden que não o tenho visto muito, mas hoje as coisas vão mudar. Desde a semana do malfadado homicídio que tem andado distante, não o tenho visto muito. Depois, na semana seguinte, foi para Paris. Agora, está de volta e hoje vou aproveitar para correr alguns bares de Leiden na companhia dele. (Talvez entre as oito da noite e a meia noite, claro. Depois disso já é tarde em Leiden para se fazer o que quer que seja.)

Encontrei-o em casa dele, toquei à campainha e ele abriu-me a porta, chovia torrencialmente como nos ultimos dias e eu estava um pouco menos que totalmente ensopado. A minha bicicleta tem a embraiagem sempre posta, o que traduzido na lingua da minha bicicleta significa que quando esta está molhada, do selim às correntes, muitas vezes me encontro a pedalar em falso pois a corrente salta de mudança em mudança fazendo-me um ainda mais perigoso condutor do que já sou. Parei-a, chamei-a de “porca miserável, ninguém te consegue montar quando estás molhada”, imaginei-a a responder, não algo definido mas algo no sentido de me chamar a mim porco pelas tristes alusões que faço à sexualidade dela, como se ela não fosse só minha, como se outros a montassem. Claramente Leiden está-me a dar cabo dos nervos. Voltei a colocar-lhe a corrente, o cinto de castidade de três euros que comprei para mais ninguém a montar, e fui a pé até casa do Imoh. Ele não me pareceu, de todo, feliz por me ver. Quando entrei em sua casa ele não estava sozinho, o Mendes de León, o Scott e o Jason estavam com ele.

Ainda não entendi, admito que ainda não percebi o que se passa com esta gente, até que ponto lhes interessa ajudarem e empurrar o nosso destino como pequenos doutores do direito aéreo, se é esse o seu interesse, se nos querem conhecer, porque tudo isto é feito de conhecimentos de amizades de palmadas nas costas uns dos outros, tudo um companheirismo que me parece constantemente desusado e interessado. Que tipo de amizade encerram estas pessoas, que faz um homem como o Mendes de León em casa do Imoh com o Scott e o Jason? Que forma de aproveitar o tempo melhor que esta ele NÃO tem? Para estar sentado em casa do Imoh, copo de vinho na mão, a discutir uma palestra em Sevilha no próximo mês de Maio?

Após uma rápida passagem pela casa-de-banho para me secar, sentei-me no canto da sala oposto ao Mendes de León, ele pouco tem de parecido com o Haanappel, enquanto que o Haanappel era um académico por excelencia, um homem talvez um pouco excentrico mas claramente com a cabeça noutro local do mundo, o Mendes de León em nada me parece um académico, dá as suas aulas com menor eloquências que as (poucas) aulas que assisti do Haanappel, erra por vezes, e adora trazer convidados às suas palestras. Gosta igualmente de ver apresentações por parte dos alunos o que sempre me pareceu como a pior forma de ensinar o que quer que seja. Não decididamente, este homem alto que se encontra sentado de perna cruzada com um copo de vinho na mão, magro e com a canela acima da meia à mostra, não é um professor e não é meu amigo. Não gosto dele, tenho de fazer o juízo agora que o vejo sem óculos numa pose que tenta disfarçar tranquilidade num ambiente que obviamente não é o dele.
Meio sóbrio, para não dizer completamente bebado. Foi-se embora, deixando o copo a meio poucos minutos depois de eu chegar, talvez um quarto de hora, um quarto de hora em que a conversa mudou verticalmente da compra da Aer Lingus pela Rianair para o Tennis, a derrota da Holanda na Taça Davis, a prática de golfe pelo Scott quando era mais novo e o gosto tipicamente masculino pela horrivel musica de camara que o Imoh tinha deixado a tocar, provavelmente tanto impressionar o Mendes de León, o Pablo. “friends don’t waste wine when there are words to sell”, lembrei-me eu quando vi que nem terminou o copo. De resto fingi-me indiferente ao facto da minha chegada ter sido uma alteração do planeado e deixei-me ficar com o Imoh, lá fora chuvia e de qualquer forma tinhamos combinado ir beber uma cerveja ao “Odessa”.

Saímos enquanto o telefone do Imoh tocava, o Imoh tem o telefone constantemente a tocar, normalmente raparigas, às vezes a sua namorada. Como disse, ele esteve em Paris e esta foi a primeira oportunidade que tive de falar com ele. O Imoh lembra-me o “Mr. Eko” do “Lost”. Nigeriano, cristão, é um homem de fisico enorme, que impressiona quando entra na sala, ou em qualquer sala em qualquer lugar do mundo. Tem um riso que alastra e normalmente está sorridente. Ao contrário do Mr. Eko, usa óculos e presume que a sua vida na Nigéria seja mais licita que a do Eko era. Presumo disse, não garanto que assim seja. Tem um olhar algo ganancioso e presume-se sempre pronto a entrar num negócio que lhe dê dinheiro. Tem uma clara avidez profissional que mostra descuidadamente. Por outras palavras, fala demais e sempre o oiço cum grano salis.

Fomos até ao Einstein, por lá apareceu a Agnes e uma amiga dela holandesa qualquer. A Agnes é uma rapariga de origem polaca que tem dormido com o Imoh, algo que ele enfrenta com a naturalidade Africana que de certa forma nos habituamos a conhecer quando lidamos com pessoas de cultura Africana e o seu desleixo pela vida a dois com o parceiro, a sempre disponibilidade para celebrar mais uma conquista amorosa, etc, etc, etc...

Depois de umas cervejas de novo ele tenta catolicizar-me, vive obcecado com o facto de eu não acreditar em Deus, no Deus dele ou em qualquer Deus. Acha que com os anos mudarei de opinião, o que até pode ser. A Agnes entra na conversa, tal como a amiga Holandesa, é bonito ver que ao menos consegui juntar dois católicos apostólicos Romanos e uma protestante do mesmo lado da barreira aquela que tenta argumentos vazios contra o Francisco e o tenta, em toque mágico, catolicizar.

Será inerente à educação cristã? Parece-me que sim, de alguma forma aqueles que cumprem uma formação cristã, seja na Holanda, Polónia ou Nigéria, levam como pequeno extra aquele chip que tenta introduzir a fé nos outros. Convence o próximo, salva-o da eterna condenação, salva-o, sei lá do quê, do ponto em que ele está agora, da vida a que se está a condenar. Da pós-vida sem luz, pois Deus vai querer que ele preste contas da sua falta de fé, ele vai-se arrender o pobre Francisco e todos os outros, mais vale que sintam o arrependimento agora, que se salvem, que se permitam a felicidade que nós sentimos. Mas nada disto serve, nada disto me convence, a minha avó com o inerente comportamento que denota uma qualquer herança judia (só pode, só pode) oferecia-me 500 escudos para ir à missa quando tinha uns oito anos. Aquele gesto, aquela nota, que uma vez aceitei, afastou-me completamente de todos os que me tentam convencer de algo. Aceitar aquela nota, não me vendeu, salvou-me, embora admita que na altura não fazia a mínima ideia que me estava a salvar e a comprar gelados (que grande negócio que aquele foi) a verdade é que me permitiu pensar, abriu-me a mente, que a minha fé tinha um preço, que assistir aquele teatro de gente que se levantava e sentava, sibilava em latim algo que eu não compreendia e repetia um texto decorado e que já na altura me assombrava como estava tão mal decorado por muitos dos que me rodeavam, o que para mim era de facto, uma peça de teatro algo mal ensaiada e que se repetia todas as semanas, até me parecia divertido, sem grande sentido mas contudo, sem sombra de duvida, divertido e que por isso não me custava nada assistir, era uma hora de domingo da qual não gostava muito de qualquer maneira e não a tinha ocupada nos meus oito anos, pois bem, esse suposto acto de ir à missa, e ouvir, e ainda receber quinhentos escudos, os quais aceitei porque tinha oito anos ou coisa assim, cresceram dentro de mim, tudo me pareceu errado, aquilo não fazia sentido repetir e excusado será dizer, nunca mais recebi quinhentos escudos, nunca mais me apeteceu ir a uma missa ou sequer entrar na igreja. Desde logo marquei uma fronteira quando aquele edificio, quanto ao sinuoso sorriso do padre de aldeia que me conhecia, desde cedo marquei a minha fronteira do outro lado. Senti-me abusado na minha consciencia, no meu não pensar, na minha confiança, havia confiado na minha avó, e que tinha ela feito? Sinuosamente tentado conquistar a minha alma e fé, e pior, não para ela, para a igreja, só para a igreja que compreende perfeitamente a sua idade, a sua viuvez e solidão no Porto, a igreja compreende perfeitamente que após a morte do meu avô ela se encontra vulnerável, então estende o seu enorme manto sobre ela, chama-lhe apoio, chama-lhe fé como inolvidável solução para as duvidas que nesse momento ela tem, e na verdade não é mais que um conquistar de uma alma, um amealhar de uma contribuição, a pequenina dízima que quanto maior for mais salva se encontra a alma, não temas a solidão, não temas, teme apenas a Deus e Deus tomará conta de todos os outros males, justifica tudo. Ora de repente estou em Leiden e sentado numa mesa com três pessoas que pensam que me podem convencer, ainda por cima fracos no seu convencimento, pouco esforçados, o que me faz rir por dentro, fazem lá eles ideia do que é viver numa cultura católica e resistir-lhe, quando o nosso sangue tenta, quem são eles para também o tentar? Os mesmos argumentos, repetidos e repetidos, como se pode aceitar uma criança que nasce com SIDA e explicá-lo? Como explicar que uma mulher penetrada por um homem dê lugar à vida nove meses depois? O que nunca ninguém me disse é porque é que um Deus, qualquer Deus, o explicar. Onde é que remeter assuntos aos designios de Deus, como se ele fosse um mero ministro com uma pasta sobre a qual ninguém deve perguntar, fosse solução, fosse a solução, nos fosse tranquilizar a alma ou a mente, ou o pensamento ou qualquer outra coisa que resulta da nossa irrequietude de pensamento, de duvidar, de ser Humano de questionar.
E assim voltei à realidade, e Imoh falava agora de outra coisa, de como ser cristão era importante também para pertencer à maçonaria, de como a maçonaria chegava a muito lado e eu enjoado, nao queria ouvir mais, mas estarei nas termas de Davos? Nesse momento não era Francisco, era Castorp, e ouvia tudo aquilo, de Deus à maçonaria, e quis ir-me embora, sair dali para fora, deixar aquela gente toda.

Wednesday, October 04, 2006



Defesa de Honra

Velvet Underground - European Son

Em retaliação pelos meus comentários à sua maquina fotográfica nova (pois só pode ser mesmo por isso), fui injustamente acusado de cometer o homicidio do Prof. Haannappel.

Obviamente, seria incapaz de matar quem quer que seja. Mas mais importante que isso, preocupa--me uma suposta revelação de instintos assassinos da minha parte. Certo que para a policia holandesa serei igualmente suspeito, afinal, todos somos, agora para vocês?

De qualquer forma insisto em "limpar" a minha honra quanto ao que aconteceu, já me bastam as negras nuvens de Leiden (e os seus ocasionais aguaceiros). Já me basta o ambiente que se vive por aqui, os olhares entre todos neste "cluedo" ao vivo. Tudo somado, não preciso de pessoas em Portugal a achar que eu o poderia ter feito.

Em primeiro lugar, não tenho motivo, mal conhecia o homem e comigo não tinha tido qualquer problema, claro que já tinha ouvido falar da fama dele, mas nunca me tinha directamente saído nada da sua cartola.

Em segundo lugar, posso recordar perfeitamente o dia, penso que me lembrarei dele durante muito tempo, em que ele morreu. Fui dos primeiros a sair de casa dele com o Imoh, caminhámos directamente, sem nunca nos separar até à estação de comboio, apanhámos o comboio para Leiden em "sprint", entrando no ultimo segundo, chegados a Leiden seguimos os nossos caminhos. Estava terrivel, e anormalmente cansado nesse dia em virtude da visita de estudo detestável do nosso "fucked up bunch of people", e fui dormir directamente. Na altura o quarto ainda era o da Line e a Valeska ainda lá estava, pelo que tenho testemunhas, a Valeska que a ver os "angels of America" já estava no quarto e no quarto ficou, que eu saiba, o resto da noite enquanto eu dormia. Tenho quase a certeza que ela não saiu, pois ouvi a Line chegar e as duas falaram.

Portanto, estou totalmente protegido. Podem deixar de suspeitar de mim. Sou um mero narrador, e encaro a minha falta de qualidade como tal como a principal razão pela qual não fui, logo de inicio, descartado como possivel criminoso. Tento contar uma história, uma história impressionante que me está a acontecer. Às vezes ressacado, com uma caneca de nescafé à frente, sei que posso saltar passos essenciais, tento reduzir propositadamente as partes mais discritivas dos diálogos mais relevantes, pois o formato de publicação em Blog é inimigo de longas entradas. Mas tento, o melhor possivel, contar uma história, como as histórias que se contam às crianças, inventadas no momento, sabendo que, desde que haja principes e castelos e dragões, eles vão gostar. Do mesmo modo vou contando, sem regras nem principios, sem descrições pormenorizadas, os trechos mais importantes, aqueles onde entram os principes e os dragões e os castelos.

Sou um mau narrador, mas contudo um narrador inocente!

Sunday, October 01, 2006

Aeroportos
banda sonora - Interpol - Hands Away
Alguma vez disse como adoro Aeroportos? É verdade, adoro-os e nada me consegue fazer deixar de gostar deles, e acreditem, já fui testado. Nem falo de cancelamentos de voos, atrasos, ligações perdidas, experiencias de que já fui vitima mais vezes do que certamente gostaria. Falo de momentos de enorme tristeza no posto de chegadas da Portela. Ainda assim, nada me encanta mais do que um Aeroporto e em especial, o local de chegada.
O que gosto num Aeroporto é o facto de tudo ser moderno e sofisticado. Tudo tem uma enorme organização por trás que, mesmo que por vezes não funcione, existe. Na placa tudo trabalha conduzindo os seus pequenos carros e não tão pequenos autocarros pelo local fora. Parece que estao a brincar à escola de condução naqueles caminhos todos desenhados no chão, seguindo as linhas brancas e parando nos locais amarelos. Tudo pensado, tudo escrito nos anexos da Convenção de Chicago, tudo... organizado ao mais pequeno pormenor.
Sentar à janela de um grande aeroporto a olhar para a placa é um enorme prazer, e eu deixo-me ficar largos minutos encantado a olhar para toda aquela vida lá fora. É um mundo que admiro e me deixa em encantadores pensamentos, sem metafísica note-se, pois todos nos recordamos daquele verso "E a consciencia de que a metafisica é uma consequência de estar mal disposto".
Ver os carrinhos a conduzir e as malas que caiem desamparadas no meio da placa, dá vontade de lhe gritar "Ó Esteves!" mas não vale a pena porque ele não vai ouvir, vai continuar a conduzir, se me visse, certamente diria adeus, assim, continua a conduzir, fumando e saboreando no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Dentro do Aeroporto, outra confusão, desta vez mais humana que maquinal, neons em vez daquele r-r-r-r-r-r-r eterno das rodas e engrenagens, mas também esta beleza, do polido e da comida embalada, é como a engrenagem uma beleza desconhecida dos antigos, e também há Platão e Virgilio dentro das luzes eléctricas só porque houve outrora e foram humanos Virgilio e Platão. Gente que atravessa de todas as cores raças e feitios, só falta um cavalo amarelo, mas esse fica para outros dias, tentar compreender quem são, de onde vêm e para onde vão. Seguir a nossa porta de embarque, entrar num avião, ver pela janela aquelas enormes turbinas, fazer taxi até à pista, - o Homem ao meu lado cheira incrivelmente mal - tabuleiro para cima, cadeira levantada, cinto posto, que importa se todos morrermos, morrer com o cinto? De repente, aquele impulso, toda a potência querendo levantar o aço sobre o qual me sento e cuspir-se a ele próprio para o céu! Cuidado, nada de estatelar uns metros à frente, aqui vamos nós, "Ah poder exprimir-me todo como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina! Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto!"
É amar tudo num Aeroporto, sentir-me, e estar, acima das nuvens, e em menos de hora e meia, estou despejado em Schiphol, noutro país, noutra língua, em carros de matricula diferente. "Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera! Amo-vos carnivoramente".
A única parte chata são mesmo as filas de espera, os interminaveis controlos, abre a mala, tira o portátil, atira-o para a fornalha de raio-X, recebe-o do outro lado:" huuumm...aquela não me importava nada de ser eu a revistar" ("Ah! Olhar em mim é uma perversão sexual)", para depois chegar, à sala de chegadas.
Nada existe como a sala de chegadas, em que mulheres arranjadas esperam os seus noivos, os seus maridos, esquecerem as chatices pelo prazer do reencontro, é neste momento que faço uma forte guinada, sigo pelo lado, por mim ninguém espera, sigo sozinho, posso apenas entreter-me a sonhar as suas vidas complexas, "que coisas lá pelas casas de tudo isto!" dissensões domésticas e deboches de todos eles, sigo apenas o meu caminho, cara estranha a todos os que me rodeiam que em mim nem notam, linha cinco, plataforma para Leiden, vou voltar para a vila "Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!"