Sunday, October 01, 2006

Aeroportos
banda sonora - Interpol - Hands Away
Alguma vez disse como adoro Aeroportos? É verdade, adoro-os e nada me consegue fazer deixar de gostar deles, e acreditem, já fui testado. Nem falo de cancelamentos de voos, atrasos, ligações perdidas, experiencias de que já fui vitima mais vezes do que certamente gostaria. Falo de momentos de enorme tristeza no posto de chegadas da Portela. Ainda assim, nada me encanta mais do que um Aeroporto e em especial, o local de chegada.
O que gosto num Aeroporto é o facto de tudo ser moderno e sofisticado. Tudo tem uma enorme organização por trás que, mesmo que por vezes não funcione, existe. Na placa tudo trabalha conduzindo os seus pequenos carros e não tão pequenos autocarros pelo local fora. Parece que estao a brincar à escola de condução naqueles caminhos todos desenhados no chão, seguindo as linhas brancas e parando nos locais amarelos. Tudo pensado, tudo escrito nos anexos da Convenção de Chicago, tudo... organizado ao mais pequeno pormenor.
Sentar à janela de um grande aeroporto a olhar para a placa é um enorme prazer, e eu deixo-me ficar largos minutos encantado a olhar para toda aquela vida lá fora. É um mundo que admiro e me deixa em encantadores pensamentos, sem metafísica note-se, pois todos nos recordamos daquele verso "E a consciencia de que a metafisica é uma consequência de estar mal disposto".
Ver os carrinhos a conduzir e as malas que caiem desamparadas no meio da placa, dá vontade de lhe gritar "Ó Esteves!" mas não vale a pena porque ele não vai ouvir, vai continuar a conduzir, se me visse, certamente diria adeus, assim, continua a conduzir, fumando e saboreando no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Dentro do Aeroporto, outra confusão, desta vez mais humana que maquinal, neons em vez daquele r-r-r-r-r-r-r eterno das rodas e engrenagens, mas também esta beleza, do polido e da comida embalada, é como a engrenagem uma beleza desconhecida dos antigos, e também há Platão e Virgilio dentro das luzes eléctricas só porque houve outrora e foram humanos Virgilio e Platão. Gente que atravessa de todas as cores raças e feitios, só falta um cavalo amarelo, mas esse fica para outros dias, tentar compreender quem são, de onde vêm e para onde vão. Seguir a nossa porta de embarque, entrar num avião, ver pela janela aquelas enormes turbinas, fazer taxi até à pista, - o Homem ao meu lado cheira incrivelmente mal - tabuleiro para cima, cadeira levantada, cinto posto, que importa se todos morrermos, morrer com o cinto? De repente, aquele impulso, toda a potência querendo levantar o aço sobre o qual me sento e cuspir-se a ele próprio para o céu! Cuidado, nada de estatelar uns metros à frente, aqui vamos nós, "Ah poder exprimir-me todo como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina! Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto!"
É amar tudo num Aeroporto, sentir-me, e estar, acima das nuvens, e em menos de hora e meia, estou despejado em Schiphol, noutro país, noutra língua, em carros de matricula diferente. "Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera! Amo-vos carnivoramente".
A única parte chata são mesmo as filas de espera, os interminaveis controlos, abre a mala, tira o portátil, atira-o para a fornalha de raio-X, recebe-o do outro lado:" huuumm...aquela não me importava nada de ser eu a revistar" ("Ah! Olhar em mim é uma perversão sexual)", para depois chegar, à sala de chegadas.
Nada existe como a sala de chegadas, em que mulheres arranjadas esperam os seus noivos, os seus maridos, esquecerem as chatices pelo prazer do reencontro, é neste momento que faço uma forte guinada, sigo pelo lado, por mim ninguém espera, sigo sozinho, posso apenas entreter-me a sonhar as suas vidas complexas, "que coisas lá pelas casas de tudo isto!" dissensões domésticas e deboches de todos eles, sigo apenas o meu caminho, cara estranha a todos os que me rodeiam que em mim nem notam, linha cinco, plataforma para Leiden, vou voltar para a vila "Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!"

1 comment:

Me Magdalena said...

Sou eu, meu caro, aquela que vem assistindo aos teus desvairos "squashisticos" se assim o poderemos chamar. Quem se senta nas escadas a gravar momentos que preferiamos ver de longe. Temos saudades tuas, eu, o teu amigo e o mais recente "demónio branco" da casa. Por influência vossa (do teu amigo e tua) tenho também um blog e adoro. A breve consciência de que alguém tropeçará nas nossas menos intimas considerações é bastante apelativa. Vejo que te tens divertido. Não te divirtas, contudo, demais, ou nos veremos forçados a marcar viagem e a fazer-te uma visita. Forçoso é recordar-te que este comment não é desinteressado. Faça o favor de me comentar os meus comentários. Com aquele espírito acutilante que já te conheço. Até lá, um beijo.