Thursday, January 04, 2007

Varge Mondar


badly drawn boy - Silent Sigh


Vou deixar de dizer que sou advogado. Vou passar a dizer que sou um novelista falhado. O que é que correu mal? Bom, a resposta óbvia será o facto de nunca ter escrito um livro, isso impede, à primeira vista, que me considerem um novelista de sucesso, o que faria de mim um novelista falhado.


Mas um olho astuto como o do caro leitor sabe que não é assim. A teoria dos contrários, essa que aproveite a Platão. O facto de nunca ter publicado um romance faz de mim um não novelista, não um novelista falhado, então porquê dizer que sou um novelista falhado?


Por várias razões, em primeiro lugar, apesar de nunca ter escrito um livro, há muito tempo que já escolhi o título: "Varge Mondar".


Varge Mondar é uma pequena terra perto de Rio de Mouro, o que, por sua vez, fica perto de Sintra, para aqueles pouco dotados em geografia (aqui, note-se a arrogância artística que qualquer novelista deve ter pois eu não só eu próprio sou pouco dotado em geografia como mesmo quem sabe de geografia pouco ou nada ganha em saber onde fica Varge Mondar).


Contudo, Varge Mondar parece-me perfeito para ter um papel fundamental na minha obra, Varge Mondar tem uma fonética que me fascina, dizê-lo "Vááerege Moundár" apaixona-me, deixa-me sonhar, com algo muito diferente do que Varge Mondar realmente é. Por outro lado, Varge Mondar (lamento a repetição, mas não me cansa nunca dizê-lo) é tudo menos fascinante, é daquelas terras plantadas ao longo de uma estrada nacional Portuguesa, das que serpenteiam de forma errática, tem casas, moradias as quais foram abandonadas a proprietários sem qualquer gosto. Os muros dessas casas, não dão espaço ao passeio, porquê pensar que Varge Mondar teria qualquer tipo de planeamento urbanístico, isso é pura loucura ou desconhecimento da topografia nacional. Por outro lado, os passeios curtos deixam espaço a atropelamentos o que, tomando em conta o gosto de quem vive em casas assim, não é coisa que realmente me preocupe, há aliás, uma certa justiça divina em aumentar as probabilidades de morte prematura a quem lá vive. Menos alguém que escreve com "x" repetidos em todas as palavras, cujo filme favorito é o Armageddon, que se acha fotografável, especialmente bonita, escondendo o acne debaixo de filosóficas frases ouvidas em filmes de terceira ao domingo à tarde, sei lá, algo como: "xó xei de amor, felixidade e beixinhos"


Os cães de loiça plantados sobre os muros deixam-me apaixonado, adivinha-se um jardim por trás pensado e criado com igual amor "kitsch". Os bens que aquele cão de loiça guarda são dignos do seu feroz e inexistente ladrar. Mobilias de madeira barata ou de plástico, tonalidades de doirados e brancos em salas com espelhos que ajudam a repercutir aquela claridade indesejável, não tente, o caro leitor, afastar os olhos dos horrendos móveis, pois o espelho dará o reflexo da fealdade. A fealdade aliás, é característica essencial de Varge Mondar, Varge Mondar bonita... não seria realmente Varge Mondar.


Estilo algum existe em Varge Mondar, por isso me encanta tanto aquele sítio.


Pseudónimo com que escrever, claro está, também já o tenho...Fernando Bolivar (lê-se Bolivár e não Bolívar), porque este nome? Bom, o "bolivár" é em honra do velho Simão. A pronuncia diferente resulta de duas coisas simples, primeiro a liberdade de criar o nome como bem me apeteceu e por outro, o dia em que usando o nome numa qualquer marcação, a idiota do outro lado do telefone começou a dizer-me que o meu nome se lia "Bolívar" e não "Bolivár", fiquei maravilhado, uma pessoa realmente achou que me podia dizer como se lê o meu próprio nome? (ok, não é o meu nome, mas podia ser e tanto quanto ela sabia, era-o mesmo). Mas de onde aparece gente assim? Só mesmo a realidade é que a cria!


Falando na realidade, é ela a culpada do facto de ser um novelista fracassado, o meu livro não existe porque ainda não consegui deixar de me surpreender com a humanidade (de "h" pequeno, pois claro, não fossemos um país de gente Pequena). Como posso escrever sobre a condição humana, o género humano, a realidade humana se para lá do nascer, comer, defecar e morrer não reuno qualquer certeza sobre ela? Isso impede o meu livro de existir, nada mais. Por vezes, entre cafés e cigarros, oiço uma conversa, uma maravilhosa conversa, quem me dera puder usá-la, quem me dera ter criado tão lindo diálogo, mas não é meu, não o posso usar e assim vou ficando, um mero novelista fracassado.


Por estas razões e por todas outras, sou um novelista fracassado mais que um jurista, cidadão ou pessoa.



presumível habitante de Varge Mondar, autor desconhecido, museu de antropologia, colecção permanente.
P.S. Perguntaram-me porque escrevo tão poucas coisas pessoais no meu blog e porque é que falo tanto de música, que não tinham ideia que a música fosse tão importante na minha vida, pois, não é assim tão importante. A verdade é que ando triste há muito tempo e quando se está triste, nada na vida interessa. "Nenhum ângulo é fotografável", como Fernando Bolivar costuma dizer. 2006 foi um ano bom porque morreram dois ditadores? whatever...à longa mão desses dois morreram muitas pessoas.


2 comments:

Trendy Jorge said...

Algo vai mal quando a definição do teu ano se faz por referência à morte e execução de Pinochet e Saddam. Bastante freak. Isso não te faz passar por pacifista preocupado com a humanidade mas mais por alguém que não tem mais nada para fazer ou pensar. O que até não é verdade.

Certo é que eu também tive a minha dose de desilusões este ano e, curiosamente, uma delas teve a ver com música. É que, ao contrário do que pensas, a música é muito mais importante do que o valor que se lhe atribui. E não falo só da "boa" música mas de qualquer melodia por muito rasca que seja. Basta pensar que no mundo de Orwell no "1984" a música era um dos elementos banidos. Porquê? Os filósofos e pensadores como tu melhor o explicarão mas para mim tem tudo a ver com "escape". Ser transportado para outro local ou outro tempo. Imaginar-me noutra condição ou simplesmente alhear-me de qualquer realidade. É por isso que a música é tão importante. E é por isso que tanto gosto de Whitney Houston como de Tom Waits. Basta que me cativem.

Ah, e também queria dizer que gostei do "Armmagedon", dentro do estilo blockbuster, claro, e que duvido que alguém em Varge Mondar o tenha percebido ou até visto até ao fim. Devias ter falado no Steven Segal (mas mesmo esse tem uma certa patine de brutalidade e previsibilidade). Já sei, um qualquer filme de carros, daqueles sobre tunning.

Anonymous said...

ÓOOO mentes brilhantes, óoooo iluminados, vão para o cara...lho mas passem por Varge Mondar para serem enr...rabados.

Ass.
pt q vs pariu