Tuesday, August 21, 2007

Kafka on the Shore

banda sonora: Belle & Sebastian - Is it wicked not to care?

Ontem fui jogar uma hora de snooker com o Jason. Ao sair da biblioteca é normal não apetecer ir logo para casa e jogar snooker é provavelmente a única coisa que há para fazer em Leiden. Escolhemos o bar mais perto com uma mesa, uma velha mesa que nem sequer é plana e que, para nosso azar, estava ocupada. Como quem estava a jogar tinha ar de demorar, decidi perguntar se podiamos jogar "doubles", eles aceitaram e, para lá do jogo, foram companhia agradável.


Eram irlandeses, de Belfast.
Bill:"we're irish"
Bolivar: "Dublin?"
Bill: "Belfast"
Bolivar:" oh, so northern Irish"
Bill, com um sorriso cúmplice: "ay, Irish".

Bolivar to himself: "...uppssss!"

Mas não ouve disputa à mesa. Ele era formado em Artes, ela era formada em Jornalismo, tinham respectivamente, 36 anos e 31. Tinham abandonado a Irlanda e as suas profissões pelas mesmas razões que oiço os Portugueses a queixar-se da falta de saída profissional nas mesmas áreas. O jornalismo, dizia-me ela, passa por realizar estágios mal remunerados, quando são remunerados, onde a única coisa que fazia era servir cafés. (que discurso tão familiar para mim e que oiço tantas vezes em Lisboa).

Há dez anos então, vieram para a Holanda. Trabalham como pintores, não dos artísticos, note-se, pintores. Fazem cá três meses de trabalho e depois têm três meses de folga. Vão a casa, ou vão a outro lado qualquer. Passam assim a vida. "ten years ago, they would pay 600 euro per week, and that was ten years ago". (...Deixa-me a pensar o que ando a fazer da minha vida...Deixa-me a pensar, quão leguminosos aqueles que se queixam em Lisboa ficando, ficando, ficando...).

Falamos de Murakami e trocamos sorrisos cúmplices, falamos da dificuldade em viver das 9 às 5. Acabamos o jogo sem nos preocupar quem ganha, em tom de despedida, Jason oferece uma cópia velha das Calligrammes de Apollinaire em Francês, tem muitos livros e não sabe como os levar de volta a Berlim, seu próximo destino. Dizemos até logo, sabendo que provavelmente nunca mais nos veremos.

Ela, não me lembro bem do nome dela e nunca o saberei, sai radiante com as Calligrammes na mão: "my mother sent me some tea she knows I love, this will go perfectly with it, I miss some decent French poetry".

São pessoas assim, não vadios mas vagueantes, que por terem self-confidence (estou a virar emigrante, desculpem-me), tiram um enorme peso dos ombros. De facto, quem tem prazer em Apollinaire, não precisa de uma televisão.

Filhos da nova economia. Se o objectivo final do Homem é de facto o ócio, eles estão muito mais perto, não interessa o trabalho que fazes, nem a qualificação que levas contigo. Enquanto eles saiam pela porta fora, eu senti que William Henley saía com eles.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

e para mim? Não trouxe Apollinaire para casa, trouxe a recordação que há gente assim, da felicidade em encontrá-los, que em Lisboa também conseguirei falar de Murakami, não posso é desistir de o encontrar mesmo sabendo que pessoas assim, não se podem procurar.

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