Wednesday, August 22, 2007


A Fauna de Leiden - excerto retirado de um mail "descrítico" (crítica descritiva)


banda sonora: Arto Lindsay - Animal Animale

Leiden é uma cidade que tem uma população total ligeiramente inferior à do Porto (cidade, sem contar com arredores), até são números interessantes. O problema é que Leiden divide-se em duas partes, o centro, típica cidade holandesa com canais, moinhos e casas tortas como é típico deste país e os arredores. Os arredores, às vezes quando faz bom tempo vou andar uns 20 km de bicicleta por eles, são compostos por pequenas casas com 4 bicicletas estacionadas em frente, uma para o pai, outra para a mãe e duas para os filhos, ao lado da pequena vivenda, uma garagem, com o carro do pai, o da mãe e um para os filhos dividirem se ambos tiverem idade para conduzir. Atrás, um pontão sobre um largo canal ou lago onde está o pequeno barco de família. A casa do lado será exactamente igual e todas se repetem interminavelmente sem qualquer piada. O cheiro a estrume é também comum e as vacas e ovelhas preenchem o resto da paisagem bucólica. Goes without saying, não tem qualquer interesse em visitar, por isso eu estou sempre no centro, onde vivo.


O centro é bonitinho, mas desesperantemente aborrecido. Leiden tem uma grande universidade, mas não tem a vida nocturna que tipicamente acompanha uma universidade segundo os nossos padrões sul europeus. Isto porque aquilo que uma universidade dá a uma cidade são os estudantes, que costumam ser motor de uma atitude borguista e prazenteira que anima as ruas (lembro-me de Salamanca e a sua fantástica vida nocturna). Aqui, os estudantes dividem-se em fraternidades, são três as principais fraternidades, a Minerva (ergo, os seus membros são os minervinhas), a Augustinos (ergo, os augustininhos) e a Quintos (ergo, os quintitos). Metade dos prédios são usados como residenciais destes seres, eu vivo em frente de um pejado de augustininhos e eles são seres tão divertidos que posso asssegurar-te, nunca tive vizinhos tão silenciosos como eles. A velha que vivia na casa em frente da dos meus pais, pese os seus setenta anos, cuspia da varanda em noites de calor ouvindo o seu rádio, aqui, os meus augustininhos, estão na cama às 10 da noite. Não fossem eles tão pouco divertidos que continuaria a não os conhecer realmente. Vivem num ambiente de fraternidade fechado, só membros podem ir às festas e estas acabam à meia-noite, eventualmente como resultado do preço da cerveja barato. É uma mistura explosiva, por um lado são nórdicos, logo bebem até cair e por outro lado Holandeses, não podem dizer que não a uma promoção de preços. Cerveja barata assim, só pode ter uma conclusão possível.


Do outro lado da balança aos seres das fraternidades que são fechados e desdenham quem não for membro, existem os locais de Leiden. Ora, os locais são muito diferentes dos minervinhas & Co. Um Minervinha distingue-se facilmente pois num dia de verão como hoje, em que choveu apenas de manhã e fazem 15 graus está vestido com fato-de-banho laranja e camisa Ralph Lauren azul às riscas, tradicional, a qual está por dentro do fato-de-banho. O local de Leiden nunca vestiria assim , local de Leiden parece mais um lenhador pese saber, por experiência, que provavelmente é agricultor e não lenhador. Digamos que em Viseu(não, não, Viseu não, uma aldeia perdida no distrito de Viseu com mais mulas que carros) a massa urbana tem um ar mais citadino que os locais de Leiden. Ao domingo, o local de Leiden veste-se a rigor, assim como o Português de aldeia põe o seu fato ao domingo, no caso do local de Leiden, não é um fato contudo, são umas jeans justas e curtas que revelam a meia branca sobre sapatos pretos quadrados, uma camisa branca, um blaser azul escuro também justo e coçado. Leva uma boina de marinheiro na cabeça por vezes, azul branca e com uma âncora dourada no topo, o que faz a minha delicia tenho de admitir pois fica-lhes ridiculo. Infelizmente a boina não é sempre, e o normal é terem o seu cabelo loiro farto puxado atrás e preso com gel num gorduroso que combina com o resto.


Os locais detestam e ignoram os estudantes. Faz todo o sentido, numa cidade universitária, o local passará toda a sua vida, o estudante passará cinco anos, por isso não tem sentido travar amizade com ele, isso explica o ignorar do estudante. O detestar do estudante passa pelo que o minervinha é, vestido da sua forma ridicula, caminhando em grupos de chacais, na sua forma ridicula de ser e no tom pedante que apresentam.


Por muito estranho que pareça, eu consigo falar mais facilmente com um local do que com um estudante Holandês, a tática é simples e poderá ser útil caso algum dia saibas de alguém que para cá venha. Sento-me num bar local ao balcão, começo a falar com o local ao meu lado e ao fim de dois minutos de receber um tratamento evasivo, menciono que de minervinhas a quintitos, todos sem excepção deviam ser afogados no canal. Funciona sempre, é um sorriso ganho.


Claro que neste ambiente de dois pólos que se odeiam, há vitimas, danos colaterais como em qualquer guerra. Neste caso são os estudantes que não pertencem a fraternidades. Não apenas os estudantes internacionais como me vim a aperceber com horror. Uma das pessoas com quem melhor me dei por aqui na categoria de "Locais>Holandeses", uma rapariga simpática e relaxada, pese a parca inteligência, girita e ex-modelo (ex-modelo, ELLE e cosmopolitan, ou seja, profissional a sério),confidenciou-me que demorou cerca de ano e meio a ter amigos em Leiden. Este exemplo serve-me os propósitos de demonstrar a demência de Leiden. Imagina uma modelo da ELLE Portuguesa em Portugal, a chegar a uma universidade como estudante e demorar um ano e meio a ter amigos.

1 comment:

Joana said...

Acho absolutamente ultrajante descobrir por acaso que tens um blog.