Sunday, July 29, 2007




O trato humano

banda sonora: Radiohead - Subterranean Homesick Alien

Eva esteve doente, a primeira mulher, aquela que se encontra em todas. Senta-se com Bolivar e a conversa correu, mais ou menos, assim.

E: Já estou melhor agora, obrigado por teres ligado
B: De nada, sei como é chato estar doente.
E: Estavas a falar a sério quando disseste que se precisasse de alguma coisa era só pedir?
B: Sim, claro, estavas doente e eu sei como é chato estar doente, como todas as tarefas diárias pesam...
E: Desculpa não ter respondido
B. Não faz mal, estavas doente, é normal
E: Mas podia ter dito algo na altura...
B: Disseste agora. É indiferente
E: é indiferente como?
B: Da mesma maneira que é natural oferecer ajuda quando alguém está doente, é normal a pessoa doente só quer ser deixada em paz e mandar-nos dar uma volta.
E: Então só ofereces ajuda para essa pessoa te mandar dar uma volta.
B: Não, se por acaso precisasses de ajuda e me pedisses algo, estaria lá para ti.
E: mesmo se tivesse pedido depois de te mandar dar uma volta?
B: Sim, estaria lá, como te disse, é normal. O curso natural das coisas é estar lá para ti porque tu estás doente, tu responderes torto porque estás doente, eu não me importar porque sei que estás doente, e esta conversa era provável acontecer e eu dizer-te que não faz mal nenhum porque na verdade, não faz mesmo.
E: Então é uma espécie de complicada relação, e se eu nunca tivesse pedido desculpa como pedi agora, ficarias chateado?
B: Não, na verdade não ficava, o que disseste na altura não importa agora que estás bem.
E: Então nada importa na verdade, podia fazer e dizer o que quisesse. Nada importa, e o facto de não te preocupares com isso faz-me pensar se realmente te importava o facto de eu estar doente, essa actitude latina de estar presente é, portanto, algo falsa.
B: Estavas doente, agora estás bem, isso importa-me. Perdoar tudo o resto é saber que és humana e que estavas doente, fragilizada, é conviver com a condição humana.
E: Quando estive no hospital, nenhum dos meus amigos me visitou, mas eu sei que ficaram alegres de me ver saudável.
B: A tua doença e as diferentes reacções, as minhas Portuguesas, as dos teus amigos holandeses, são espelhos da nossa diferente forma de viver a humanidade. Deixemos a coisa por aí.

1 comment:

De minimis said...

Bolívar,
Estive a ler o teu blog desde o início. Sim, eu sei que devia estar a trabalhar ou a escrever a tese, mas isso parece-me absurdo neste momento. Porquê? Ora, porque sim.
Escreve mais diálogos. Este último entre B e E está lindo.
Ainda não sei se vou a Leiden ou não. Isto tudo complicou-se de dia para dia, a começar pelo facto de não ter praticamente nada escrito e andar em permanente crise de nervos com isso. Fui ver o filme dos Simpsons. Há uma parte em que o Homer entra em crise existencial e anda pela neve, dizendo, consigo, não consigo, consigo, não consigo, até que cai redondo no chão e desiste. Só que aparece no ar uma índia de mamas enormes que lhe aponta o caminho por meio de uma imagem holográfica, utilizando as ditas para o efeito. E ele acaba por se levantar e seguir o seu caminho. E eu pergunto: porque é que não tenho uma índia/índio a indicar-me o caminho? O Homer tem!!! É injusto.
Beijo,
Castorp